Não fosse esse cheiro esquisito desse tapete novo de sisal e eu
ficaria mais tempo aqui no escritório escrevendo, mas os meus olhos
ficam vermelhos e quase não consigo respirar por causa desta coceira
na garganta.
Um tapete de sisal normalmente não é barato, mas o ambulante
que me vendeu este lindo tapete azul, cru e amarelo me fez um bom preço
e como eu precisava de um, para completar a decoração do
escritório, nem pensei duas vezes sobre os cem reais a serem pagos
com cheque pré para noventa dias. Na verdade não sei se foi
isso que ele cobrou, porque não entendia muito bem o seu dialeto
mineirês do interior, em todo caso, foi isso que paguei e como ele
não reclamou ficamos ambos satisfeitos. Quer dizer, acho que ele
reclamou, acho que aquela coisa "Héim-nhora-nhão! Héim
nhoim-hnhoim- aim-aim-nhum" era um tipo de reclamação, mas
acabamos resolvidos por isso mesmo.
O tapete se encaixou perfeitamente no espaço que eu havia reservado
- é do tamanho adequado, a cor é perfeita e estou mais que
satisfeita e vira e mexe eu lembro do tapete e corro pro escritório
pra ficar namorando minha mais nova aquisição. Fico na porta
admirando como a decoração por fim parece que terminou; nada
mais falta ou é necessário. Fico na porta não porque
não quero pisar no meu lindo tapete de sisal, mas porque não
consigo entrar no escritório sem que meus olhos fiquem vermelhos
escarlate e a coceira em minha garganta ejete meus pulmões. Um deles
quase caiu sobre meu tênis mas num ato reflexo dei-lhe um tapa e
o engoli de volta. Minha mãe também apresentou sintomas estranhos.
Foi ela quem trouxe o tapete enrolado do carro até o apartamento
e se transformou em algo como um alien com bolas vermelhas, que começaram
no braço pequenas e se espalharam enormes pelo corpo inteiro. Não
reconheço mais mamãe, este ser alienígena redondo
e vermelho que anda pela minha casa e grunhi quando passa pelo escritório.
Eu nunca tive um tapete de sisal. Pra quem não sabe, o sisal tem
um cheiro muito, muito forte, que se espalha pela casa e pelo corredor
do prédio, então, pra quem estiver interessado em ter um
é bom que mantenha as janelas abertas ainda sob forte temporal.
O sisal pode molhar. O sisal também tem aquelas pontinhas duras
espetadinhas que sobram da corda enrolada, que não nos permite que
tiremos o chinelo ou que sentemos sobre ele, logo, o lado romântico
do tapete de sisal não é o sexo, mas o saudosismo e a peculiaridade.
Nem pense em sexo perto de um tapete desse a não ser que você
tenha algum tipo de fantasia sado-masoquista.
Eu tenho que escrever pra Leila pois embora ela não reclame quando
não escrevo e fique tempos sem mandar novidades, eu sinto muita
falta dos comentários dela assim que a envio uma crônica,
poema ou carta, então gosto mesmo de mantê-la em dia com meu
trabalho, mas a deliciosa tarefa de escrever pra Leila tornou-se um ato
de sacrifício pungente desde que comprei meu novo tapete do ambulante
cujo dialeto era intraduzível, um abulante que eu vi passar do outro
lado da rua, corri e gritei, porque queria e precisava de um tapete para
o escritório. Há quem diga que ele tentava me avisar sobre
os efeitos colaterais, eu acredito que o dialeto era a laringe intoxicada
e a faringe inflamada pelo sisal. O dialeto era o próprio efeito
colateral e não um jeito mineiro interiorano de se falar. Sou muito
estúpida às vezes.
Por motivos óbvios e enquanto não tirar o computador do escritório
não poderei mandar notícias com tanta frequência. O
tapete eu não tiro e não por causa de sua beleza e da decoração
que se completou, mas porque já tentei vender, emprestar, doar,
jogar pela janela inúmeras vezes sem sucesso. Cada vez que alguém
se aproxima, o tapete com seu cheiro e seus pelinhos voadores invisíveis
a olho nu se defende do ataque. Criou vida e se apossou do escritório.
Pra sempre. Ninguém ousará chegar perto ou ameaçar
sua existência.
Tenho que ir. Meu pulmão acaba de passar por mim e meus olhos estão
sangrando. Semana que vem a roupa de astronauta vai chegar junto com a
enorme bolha que comprei, dentro da qual mamãe poderá passar
o resto de sua vida ou pelo menos até desinchar e assim que eu retirar
o computador do escritório e cimentar sua porta e janelas eu torno
a escrever. Eu prometo.
Patrícia Evans,
janeiro de 2004