As duas amigas
Minha mãe tinha duas amigas, Lúcia e Lucy, de personalidades
diferentes.
Lúcia era impulsiva, brigona, dona de um carisma impressionante,
mas que não evitou a coleção de inimizade angariada
no decorrer de sua existência. Chegava feito um trovão,
mas era uma figura inesquecível. Deixava seu gostinho por onde passava,
e até suas brigas viravam histórias que todos gostavam de
contar.
Lucy, ao contrário, era mulher equilibrada, amiga. Uma batalhadora.
Lutou como uma guerreira para criar com todo conforto, carinho e equilíbrio
o seu filho único, o Carlinhos. Ficou viúva cedo. Vivia lamentando
essa perda precoce. Mas era mulher "alto astral". Creio que apenas essa
perda tirava um pouco o seu brilho. Era professora de educação
física e tive a sorte de ser sua aluna no ginásio. Eu ria
muito nas aulas, pois ela era gordinha e quando dava aula parecia um verdadeiro
pomponzinho... Apesar da gordura era ágil e empolgava a gurizada.
Lucy passou a ter sérios problemas com o filho após o
casamento dele. Aquele garoto antes afável se transformou num tirano
e o sofrimento dela era grande. Como moravam juntos, ela decidiu comprar
uma casa em Manaus, sua cidade natal, e vivia parte do ano lá, para
aliviar seu "stress" .
Um dia, lendo jornal, vejo o anúncio da missa de
sétimo dia de Lúcia. Apesar de não manter contato
com ela há alguns anos, a notícia foi um impacto, pois as
lembranças marcam, claro! Decido então ligar para Lucy, que
há tempos também não via. Não podia deixar
de avisar sobre a morte de Lúcia.
Pego o telefone e me preparo para dar a notícia
à Lucy.
Do outro lado, a voz infantil responde:
"Minha avó morreu há dois anos".
Fico perplexa! Pego o telefone e histericamente jogo para o alto
falando sobre sua inutilidade. Sequer serve para aproximar afetos. Brigo
com minha mãe, que por comodismo, cristalizou a idéia de
que esse tempo todo ela estava em Manaus. Me bate um ódio
incontrolável de Carlinhos, que sequer nos avisou sobre o ocorrido.
Era menino afável. Como mudou.
Ouço a campainha tocar. Fantasias chegam à minha mente.
Abro a porta. É Lucy, sorrindo.
Conto a ela sobre o ocorrido e ela cai na risada se admirando por termos
dado crédito às mentiras de Junior. Há seis
meses, diz ela, ele espalha a notícia da morte dela e até
o neto pensa que é verdade. Começamos a rir. Rimos muito
mesmo.
Mas a risada de Lucy tinha uma tonalidade diferente... parecia
com a de Lúcia.
Belvedere
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