A sunga do avô de Zeca Português

Eu e Ivan Xixi costumávamos nadar na Praia de Icaraí. Naquele tempo a água, apesar de já não ser translúcida, não era ainda poluída. Mergulhávamos na Pedra do Índio e íamos até o Canto do Rio e depois voltávamos, num percurso que até hoje não sei exatamente a distância. Um dia, alguns amigos, vendo o meu sacrifício ao nadar naquelas águas que já começavam a escurecer, e, que nadavam na bela piscina do Estádio Caio Martins, me convidaram para ir lá e fazer um teste com a Dona Miriam, a severa treinadora da equipe de natação. No dia seguinte lá estava eu em pé a beira da piscina olímpica, com as suas águas limpíssimas, sendo examinado sob o olhar crítico de Dona Miriam. Ela olhou  para o meu longo calção, bateu com a varinha, que sempre carregava, na outra mão, e fez um sinal negativo com a cabeça:
– Não dá para treinar de calção, tem que ser de sunga - não disse mais nada e já saiu andando batendo a sua inseparável varinha.
Quando conversei com Zeca Português sobre o ocorrido ele me falou que tinha em sua casa uma velha sunga do seu falecido avô, um lusitano que costumava banhar-se nas límpidas águas do Centro da cidade, nadando entre as barcaças que circulavam na travessia Rio-Niterói. Fomos até a sua casa avaliar o estado do velho traje de banho. A sunga era de uma espécie de flanela, talvez comprada em Portugal, e não parecia em mal estado. A primeira vista me pareceu bastante adequada para um primeiro teste na equipe de natação do Caio Martins, quem sabe, após o meu sucesso como nadador, eu não convencia a minha mãe a comprar uma nova e mais apropriada. No dia seguinte lá estava eu na beira da piscina, novamente sendo examinado sob o olhar perspicaz de Dona Miriam, com sua inseparável varinha, que diziam as más línguas, servia para punir os nadadores preguiçosos.
– Você veio hoje de sunga? – perguntou ela, lembrando-se do dia anterior, e olhando para o meu comprido calção.
– Claro! – disse, enquanto tirava o calção e exibia com orgulho a sunga de flanela do avô de Zeca Português.
Ela olhou a estranha sunga como estivesse vendo alguma coisa muito inapropriada para aquele ambiente de futuros campeões, fez um muxoxo com a boca, bateu na mão a inseparável varinha, mas aceitou a minha veste. Lá da arquibancada, Zeca fez o sinal de positivo, pois a sunga do seu avô ia agora nadar entre os futuros campeões. Dona Miriam mandou que eu mergulhasse na última raia e nadasse toda a extensão de 50 metros da piscina olímpica para que ela pudesse, andando na borda, examinar o meu estilo. Eu me preparei na posição de largada e mergulhei, voei no espaço como um verdadeiro campeão partindo para bater mais um recorde, e caí na piscina. O problema maior foi que eu fui sozinho, pois a sunga do avô do Zeca Português ficou para trás. Nu, no fundo da piscina, certamente sob o olhar perspicaz de Dona Miriam, a terrível treinadora do Caio Martins, eu estava numa situação inusitada. Na verdade já tinha esquecido de bater o recorde, tendo em vista os problemas mais iminentes a resolver. Não sabia se continuava no fundo da piscina e ia por baixo d’água até a borda oposta ou se pegava a sunga que estava boiando e me vestia. Decidi por ambas hipóteses. Aproveitando o meu fôlego de nadador amador da Praia de Icaraí, fui até a borda da piscina, peguei a sunga com uma das mãos e voltei as profundezas da translúcida água. Dona Miriam deveria estar dando terríveis cacetadas na outra mão com a sua inseparável varinha. A minha sorte era ter um bom fôlego. Vesti a sunga e fui da raia um para a raia oito sem sair para respirar. Quando, finalmente, emergi, do outro lado, Dona Miriam disfarçadamente seguia o seu caminho, preocupada com os verdadeiros nadadores, aqueles que não perdem a sunga na largada, enquanto eu, envergonhado, sumia pela primeira porta que encontrei. Anos depois eu acabei virando um esforçado nadador da equipe de másteres do Clube Regatas Icaraí, mas demorei bastante tempo para me livrar do terrível trauma causado pela sunga do avô de Zeca Português.

Emerson Rios

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