Rabugices

        Estava eu preparando uma omelete, mais distraído que o sheik Suplicy enquanto o lugar-tenente do Asterix assaltava-lhe o harém, quando deparei com a falta de fermento na despensa. Corri ao  empório e resgatei uma latinha.

        Enquanto caminhava de volta, vinha observando a  embalagem: ROYAL — Fermento em Pó Químico. Como numa UTI, minha vida começou a passar inteira diante dos meus olhos. Ainda é a mesma embalagem com receita no verso: bolo fácil de fubá.

        — Há coisas que não mudaram! — pensei. Será que lá na fábrica deles só há velhinhos? Será que os yuppies ainda não descobriram a velha embalagem para trocá-la por alguma coisa que, eu sei, vou penar para abrir? Na última vez em que eu empunhei meu abridor de latas para abrir uma de sardinhas, bastou que eu desse o primeiro tranco que a lata quase se pulverizou — foi óleo comestível para tudo que é lado, inclusive uma gota bem na lente dos meus óculos, além de  se derramar em cima do Caderno 2, que eu ainda nem tinha lido. Como é que eu ia saber que tinha que puxar aquele anel grudado na lata? Pensei que fosse brinde para as crianças, que nem os que vinham nas balas de mel com aqueles aneizinhos que a gente dava para as meninas e depois... deixa pra lá.Modernidades... bah!

        Aí, lembrei saudoso daquela espetada que a gente dava com o polegar para abrir a tampinha de alumínio dos litros de leite. Era litro de vidro, coisa de macho, não essa bichice de saco ou caixa de papelão que usam agora — quem gosta de saco é... deixa pra lá também. Leite longa vida, veja você. E aquilo é leite? Nem tem nata. Por isso que essa geração de agora é toda de fracotes,  estufados por fora, e nada por dentro. Também, tomando mamadeira desse leite a gente ia querer o quê? Aposto que as fábricas de coador de nata faliram todas. Eu bem que preferia o velho leite curta vida com aquele natão, que dava até para boiar a fatia do pão e ficar fazendo pressão com o dedo.

        Depois, eu só levo bronca por causa dessas invencionices modernas. Os caras dizem que é tudo descartável. Mas o que eles pedem para a gente jogar fora, as embalagens, sempre servem para alguma coisa. Eu, que nunca tive coragem de jogar no lixo aquelas chavinhas das latas de fiambrada — tenho um monte delas até hoje, acho-as utilíssimas — imagine se eu vou jogar fora uma dessas pet de dois litros! Dá para reaproveitar e pôr água na geladeira, e com jeito você corta lá na altura dos três-quartos, vira a boca para dentro feito um funil (também serve de funil), cola bem, e dá um belo samburá para pescar lambaris. Está certo que eu não faço a mínima do que seja politereftalato de etileno, mas que não dá para jogar fora, não dá. O problema é que o quarto das bagunças está meio empanturrado delas e sobra para mim.

        As long-neck? Ah, jogar fora aquelas garrafas? Nunca! Desde criança eu aprendi que essas coisas a gente vende ao garrafeiro ou para o ferro-velho, e fatura uns troquinhos. Mas não passa mais a carrocinha do garrafeiro, nem do ferro-velho. Quem sabe venha uma onda de nostalgia por aí, então estou estocado.

        E o liquidificador moderno? Tem um tal de botão que você aperta e solta, aperta e solta, e ele vai dando solavancos no suco. Só que fica no lado esquerdo do painel, naquele canto para onde a gente arrasta o botão quando quer desligar. Coitado do meu pai, outro dia lavou a cozinha com limonada. Ele queria desligar, mas levava o botão até aquele maldito canto e abria a tampa. E o diacho do suco ficava saltando para fora. Ele se atrapalhou todo, chamou aquilo de máquina diabólica. Eu bem que entendo a revolta dele. Não faz muito tempo, eu fui dar uma espiada para ver se a mistura da sopa de feijão estava boa e, quando abri e empurrei o danado do botão, percebi na pele que a sopa estava ótima. O sal estava perfeito, no ponto. Só que arde quando tomada pelo nariz e gruda no cabelo.

        Enfim, não sou eu quem vai dar uma de retrógrado. E para provar isso, vou agora mesmo comprar uma dúzia de ovos naquelas embalagens de isopor. Elas são ótimas para guardar os meus anzóis; e também como caixa de pregos!

Alberto Carmo

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