Certa ocasião, uma família conhecida minha, foi passar
um fim de semana na fazenda, que era propriedade dela já há
várias gerações. A fazenda era bem antiga, estilo
colonial, possuía alcovas, capela no interior da sede, salões
repletos de fotos dos antepassados, enfim, uma casa tipicamente regional.
Como toda construção da época, contava com um
único banheiro, para atender aos oito quartos que lá existiam,
e ainda por cima, ficava ao lado da cozinha, no outro extremo da casa.
A cozinha por sua vez, era bastante rústica, com fogão
a lenha, piso de cimento batido, janelões enormes, e muita lingüiça,
paio e churiço pendurados sobre a chapa, o que oferecia uma visão
agradável, acolhedora e um cheirinho de tentador...
Como a casa fosse sempre usada apenas para lazer, o grupo em questão
chegou e logo foi se instalando e, alguns dos convidados que não
conheciam a sede, estavam maravilhando-se com a beleza natural do lugar.
Dividiram os quartos, acomodaram-se, e como típicas pessoas
da cidade grande, ficaram todos incomodados com a distância do banheiro,
o que acabou resultando em brincadeiras e previsões de corridas
noturnas. Um dos membros do grupo, embora não admitisse, era medroso
e durante todo o dia, tecia comentários sobre o aspecto meio sinistro
que via na galeria dos antepassados, na sobriedade da capela, no estilo
sufocante das alcovas. Na verdade, todos foram percebendo sua preocupação,
conforme a noite se aproximava.
Realmente, como estava uma noite sem estrelas, ao abrirem as janelas
enormes da sala, era como se houvesse um forro negro, pois não se
enxergava absolutamente nada...
É claro que, num grupo como aquele, existiam as pessoas bem
humoradas e que adoravam aprontar, assim passaram a induzir todo o resto
do grupo a se organizarem para pregar uma peça no primo medroso.
Assim foi que, pelo resto da tarde, foi um tal de recolher material,
preparar objetos, e improvisar meios, para que à noite pudessem
encenar algo especial, com o único objetivo que assustar o pobre
coitado.
Tão preocupado ele estava, envolvido em explorar tudo, buscar
saídas de segurança e se precaver, que nem se deu conta do
que se passava ao seu redor.
Ocorre que sendo um grupo grande e animado, após o jantar pegaram
o violão e começaram a cantar, improvisando brincadeiras
e curtindo uma noite agradável. Sendo uma região fria, foram
munidos de bons vinhos e assim a noite foi se adentrando e o animado grupo
cantando e divertindo-se.
Já de madrugada, todos cansados, um tanto sonados pelo abuso
do delicioso vinho, foram deitar-se e nem se lembraram dos planos que,
tão animadamente, haviam feito no desenrolar da tarde.
O tal primo, por estar preocupado, não se deixou levar pelo
clima de alegria e descontração, nem tão pouco ingeriu
do bom vinho e, é claro...
nem conseguia relaxar para que o sono viesse.
Ao se ver sozinho, tentou ainda puxar conversa com os últimos
membros que já se recolhiam, não obtendo sucesso algum, fato
este que resultou em sua total solidão em meio ao salão onde
como companhia só lhe restara os antepassados da família,
que, a seus olhos, pareciam estar incomodados pela bagunça que seus
parentes fizeram.
Mais que depressa saiu dali, e dirigiu-se ao banheiro para que pudesse
logo se recolher também. No caminho, tropeçou numa mesinha
que ficava de canto, perto da porta, e quase caiu. Seu coração
já sobressaltado agitou-lhe a circulação, provocando
um certo calor e deixando-o um tanto ofegante.
Quando estava no banheiro, escutou um barulho no terreiro em volta
da casa e quando já está assustado o bastante, uma sombra
enorme passou pela janela do recinto onde se encontrava, provocando-lhe
tal horror, que deu graças por estar no lugar certo.ou teria passado
sérios apuros!
Mal sabia o inocente que se tratava do cavalo do caseiro, que se acostumara
a perambular, durante a noite, em volta da casa.
Ato contínuo, saiu do banheiro e, o mais rapidamente que pode
dirigiu-se ao quarto que lhe havia sido reservado, um pequeno quarto ao
lado de uma das alcovas.
Um tanto ressabiado achou por bem não trancar a porta do quarto
e deixou uma pequena fresta, como se pudesse assim antecipar qualquer proximidade
de qualquer "pessoa".
Ao se colocar em baixo das cobertas, escutou um barulhinho no assoalho
ao lado da cama.Um barulhinho insistente e que parecia estar se movendo
vagarosamente. Apavorado acendeu o abajur e saiu da cama com o propósito
de encontrar a razão do som cansativo! Tropeça e sem que
pudesse esperar, um rato passa sobre seus pés, quase lhe causando
uma parada cardíaca. Sem que se desse conta, saiu desesperado do
quarto, carregando a manta que estava caída no chão.
Sentou-se na cadeira de balanço e resolveu passar a noite lá
mesmo.
Quando está começando a cochilar, eis que algo ao seu
lado despenca e em meio ao torpor do cansaço e do inicio do sono,
procura a causa do que o acordou e nada conseguiu encontrar. Já
no limite de seu autocontrole, resolve que é melhor não dormir
e ficar vigiando, até que possa descobrir o que foi que houve.
Assim, passou toda à noite velando na sala, sem pregar os olhos
e invejando profundamente os primos que inocentemente dormiam sem saber
das ameaças que estavam acontecendo ao redor de todos eles.
Pela manhã, um grupo alegre e descansado levanta-se e dá
de cara com o pobre primo, sentado já na sala. Quieto, com
o olhar parado.
Surpreenderam-se com a disposição do mesmo, que havia
se levantado antes deles! Neste instante se olham lembrando que haviam
se esquecido dos planos. Que pena! Todos lamentaram terem perdido uma ótima
oportunidade para assustá-lo!
Mal sabiam.que o tal primo estava em estado choque... e sem a ajuda
deles!
Priscila de Loureiro Coelho