Trinta e três anos

Cheguei aos 33 anos: a idade mais importante de  Cristo.
Por estes dias, estou pensando no que Jesus fez nas  outras idades que teve, não falo daquilo relatado na bíblia, penso nas pequenas coisas, nos detalhes que  formam a nossa visão de mundo e que nunca lembramos, pois somos animais feitos de esquecimento: guardamos nosso cérebro apenas para o ápice de cada história.
Isso se dá com os evangelhos, narram os momentos  culminantes da trajetória de Jesus, deixando os detalhes para a especulação de poetas menores. É o que faço agora.
Jesus caminhava às margens do Jordão, apenas para observar pássaros e pedras, ainda não buscava o batismo de João. Alguns dias, dormia até mais tarde: não havia os milagres diários ou as discussões com fariseus e sacerdotes. Jantava com amigos, para rir e para saborear o pão e o vinho, não pensava na poesia
trágica e redentora da última ceia. Ia de madrugada ao Monte das Oliveiras esperar o sol nascer, via o orvalho se despedindo dos lírios e agradecia ao Pai. A tristeza da traição futura, naquele mesmo lugar, nunca afetou Jesus. Judas nunca afetou Jesus. Ia ao templo orar, como todos os outros, mas na saída, sempre observava uma rachadura no canto direito da porta, achava aquilo interessante: nuns dias parecia um camelo, em outros era um figo quase maduro. Quando expulsou os vendilhões, teve certeza: a rachadura parecia um camelo.
Jesus emprestava o barco de Simão e André e ia navegar sozinho no Mar da Galiléia: não pensava em peixes, nem na preocupação de Maria, mas em palavras, era sempre nessas horas, envolto de céu e mar que construía suas parábolas, talvez por isso a fala de Jesus é tão azul.
Antes de ir para o deserto, enfrentar-se, Jesus ajudou na reconstrução da casa do vizinho, comprou uns tecidos para a mãe, arrumou seu quarto. Sabia que
lutaria com Satanás, por isso estava abastecido de cotidiano. No dia da prisão, fez também coisas muito simples: consertou uma rede de pesca, semeou um pouco de trigo, brincou com crianças. Sabia de cada dor que enfrentaria nas próximas horas, no entanto, mesmo sendo o filho de Deus, fortaleceu-se com privilégios bem humanos.
Aos 33, Jesus morreu e ressuscitou, contudo arquitetou sua vida passo a passo, sempre tendo um novo olhar sobre as coisas que o cercavam, eis seu grande exemplo: rever o estabelecido que nos cega a fé. Aos trinta e três, espero começar a compreender este ensinamento.

Rubens da Cunha

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