Há nomes que não combinam com o que pretenderam
designar. Ao tomar conhecimento deles, fica-se com aquela impressão
de que alguém errou na hora de escolher. O primeiro impulso é
estranhar. O impulso seguinte é querer mudá-los.
Confesso que, às vezes, sinto-me incomodado com alguns nomes. Porém,
como fui bem treinado na arte de respeitar regras, acabo controlando meus
ímpetos de reformador. Afinal, não podemos sair por aí
desapropriando substantivos por questões pessoais. Instituições,
pessoas, animais e coisas têm nomes próprios e pronto. É
a vida, a vida em Português.
Há pessoas como a Sarita, por exemplo, que resolvem essas questões menores de nomes sem nenhuma complicação. Tudo aquilo de que não lembra o nome ela chama por “coisa”. Isso, aliás, é mania brasileira. O João Ubaldo Ribeiro até já propôs criar o verbo “coisar” porque muita gente “coiseia” por este país.
Mas a Sarita eleva o hábito nacional a tal grau de sofisticação que chega a surpreender. Vai além. Para ela, há duas categorias básicas de nomes: “coiso” e “coisa”. Se há um certo grau de complexidade em questão, uma engenhoca qualquer, por exemplo, ela designa de maneira mais refinada: “coisero”. Adiantando-se ao João Ubaldo, chegou até a instituir um verbo novo: “coiserar”.
Já assisti a algumas conversas surrealistas dela com a família em que surgiam frases espetaculares. “Onde está o coisinho de coiserar o coiso?”. Tudo bem, as pessoas se esquecem de nomes e verbos. Mas ela exagera. Se fosse só isso, bom, creditaria ao folclore familiar. O que surpreende, porém, não é o exagero da Sarita, mas o fato de entenderem o que ela fala!
Nessas situações de busca do coisinho de coiserar, sempre aparece alguém com o dito coiso na mão, resolvendo a coiserança num piscar de olhos. Acho que nem a Sarita explica como é possível alguém entender esse coisorês peculiar. O fato é que resolve.
Mas eu não queria escrever sobre nomes nem sobre coiseranças. Queria revelar minha recente paixão pelas facas. Escrevi: “sou um curioso da cutelaria”. Achei a expressão estranha e fui ao dicionário. Cutelaria é a arte da fabricação dos instrumentos de corte. Vem de cutelo, cuja origem está no termo cultellu, em latim, que significa faquinha. Não estava errado, não. Mas cutelaria é muito feio, cá entre nós. Daí, surgiu a questão dos nomes.
E eu só queria contar um pouco sobre como me divirto afiando facas. Nada de especial que possa provocar uma convulsão social ou um processo na delegacia. Gosto de churrasquear e peguei gosto pelas facas bem afiadas. A carne é mais saborosa se a fatia for bem cortada. Só boas facas fazem isso.
Porém, quis sofisticar o texto e acabei me espetando no cutelo. É melhor cortar o texto por aqui. Ou alguém vai me coiserar.
Maurício Cintrão
Do livro: "O gordinho e a menina de rosa - textos curtos
para viajar", Protexto, 2004, PR, enviado pelo autor