“O prazer é único, não se repete.
A alegria repete-se sempre. Basta lembrar.”
(Rubem Alves)
Eu morava em uma casa que tinha uma ampla área envidraçada na sala de estar. Não havia momento mais agradável na semana do que os sábados pela manhã, fosse verão ou inverno, quando o sol invadia o ambiente trazendo luz e calor.
Em uma das empresas nas quais militei, uma daquelas onde se dedica grande parte da vida, vicissitudes levaram ao encerramento das atividades depois de quase uma década de trabalho.
Após dez anos de relacionamento, entre os altos e baixos que permeiam a união de um casal, meu casamento sucumbiu.
Eu não desejava ficar distante daquela casa. Mas tive que desocupá-la. Eu não me imaginava “apagando a luz” daquela empresa. Mas tive que fazê-lo. Eu não apreciava a idéia da separação. Mas os sentimentos mudaram.
Cultivamos um hábito pernicioso, ainda que inconscientemente. Costumamos nos apegar a objetos, pessoas e eventos. E, ao agirmos assim, sobrevalorizamos estes aspectos. Damos a eles uma dimensão irreal, passando a viver em função – e por causa deles. Isso nos anuvia a mente, bloqueia-nos a criatividade, ceifa-nos a flexibilidade. Perdemos a capacidade de nos adaptar, de mudar e de crescer. E, nesta toada, morremos lentamente...
A palavra é: desprendimento. Uma habilidade ímpar de racionalmente avaliar a relevância de coisas, pessoas e situações, ponderando objetivamente sobre seus prós e contras, renunciando se recomendável for. Não se trata de uma mera desistência, fruto da ausência de persistência. Trata-se de encerrar um ciclo, muito prazeroso outrora, mas que agora é apenas fonte de ressentimentos e inquietudes. E abrir a porta para permitir ao futuro entrar.
Há rotinas de trabalho que necessitam ser substituídas ou abandonadas. Há produtos dentro do mix das companhias que precisam ser retirados de linha. Há empresas que devem ser fechadas. Há relacionamentos que clamam serem desfeitos.
Erros e fracassos são recorrentes. Persistir no erro não é exemplo de perseverança, mas de sua face nefasta representada pela teimosia. Tempo desperdiçado, recursos malbaratados, talentos vilipendiados.
Em outras casas morei, com áreas mais ou menos envidraçadas, mas com o sol igualmente iluminando e aquecendo minhas manhãs de sábado.
Em outras empresas atuei, nas quais pude imprimir minha marca, colocando minha experiência a serviço, fosse para estimulá-las a continuar sua caminhada, fosse para sugerir-lhes findar o percurso.
Outros amores experimentei, dotados de um prazer único em suas peculiaridades, cultivados sem prazo de validade, fonte eterna de alegria através do exercício da lembrança.
A vida pessoal e corporativa muitas vezes sugere parar, recuar ou interromper. Não pela estática, mas pela dinâmica de seguir adiante.
Tom Coelho