A Genética de Mendel

Isaurinha orgulhava-se dos filhos que tinha e ostentava, com altivez, a desproporcional diferença de traços físicos existentes entre os irmãos. O mais velho passava por um descendente de alemão tranqüilamente, enquanto que o outro não negava os traços vindos dos primórdios da África.
Frutos de um casamento acertado, os irmãos não questionavam a gritante discrepância.
Romildo era um pai exemplar e um marido reconhecidamente ímpar. Quando, numa roda de amigos e em tom de zombaria, era questionado quanto à tão relevante diferença entre filhos de um mesmo casal, limitava-se a responder:
– A genética explica.
Os amigos mais afoitos e insistentes naquilo que chamavam de brincadeira, não deixavam por menos.
– Pode ser verdade. Agora então com esse negócio de trangênicos, vai que um de um de vocês dois andou comendo essas porcarias. Provavelmente tenha sido a Isaurinha que andou sendo comida, ou melhor, que andou comendo fora de casa algum alimento dessa natureza.
Romildo quase chegava as raias da intolerância quando dizia para todos que a ignorância dos amigos fazia-o dar gargalhadas. E ria-se das caras estupidamente espantadas diante de tamanha conformidade.
Isaurinha e Romildo conheceram-se numa viagem à Aparecida do Norte e ali, diante da Basílica, juraram eterno amor, companheirismo e que perdoariam um ao outro pelas fraquezas que, porventura, viessem a cometer.
O nascimento do primeiro filho não passou despercebido aos olhos dos maledicentes, quando estes puderam comprovar que o fruto, de um casal moreno, era um espécime loiro, de olhos azuis, e pele alvíssima. Mas tal fato fora esquecido até o nascimento do segundo filho, um espécime com todos os atributos relativos à raça negra.
O óbvio aos olhos de todos os presentes era cinicamente alardeado por Isaurinha e ostensivamente defendido por Romildo. Porém, durante uns seis meses Romildo viveu trancafiado num cubículo da casa, o qual costumava chamar de gabinete. Passava todas as tardes ali e não revelava para ninguém o seu intento.
Numa dessas tardes, Isaurinha invade o gabinete, joga-se em seus braços e conta-lhe a mais recente novidade, deveriam reunir os familiares para comungar a  felicidade do casal, pois um novo herdeiro estaria a caminho.
Romildo olhou-a entre feliz e incrédulo, mas conteve-se nos parcos argumentos de que dispunha. Festejou o que seria mais uma alegria para o
casal, resignou-se a ouvir as eternas piadas maledicente dos mais chegados e sorria, seria pai mais uma vez. Mas nem por isso abandonou seu mais recente hábito, trancafiar-se no gabinete.
Tão logo nasceu o terceiro filho, de traços fortemente orientais, Romildo sumiu do mapa.
Alguns dias depois, um amigo do casal, advogado conceituado na redondeza, bateu à porta de Isaurinha:
– Dona Isaurinha, o Romildo pediu para lhe avisar que só volta para casa depois que a senhora conseguir superar em explicações, comprovadamente
científicas, todos os argumentos descritos neste livro. Enquanto isso, por favor, assine estes papéis para que eu possa dar entrada na separação.
E entregou à Isaurinha um imenso volume sob o título "A Genética de Mendel".

Márcia Ribeiro

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