O Quark e o Jantar
A família está jantando. A mãe é dona de casa, o pai é caixa de banco. Ele gosta de ler a coluna do Marcelo Gleiser no caderno “Mais!”. O filho está contando como foi na escola. Na aula de ciências a professora tentara explicar as reações químicas. Ficaram dúvidas.
— Pai, o que é átomo?
O Pai ficou um pouco atrapalhado, não estava acostumado àquele tipo de perguntas. Sabia o que era átomo, ou achava que sabia, mas saber é uma coisa e explicar é outra. Continuou olhando para o prato, tentando dar um ar casual à resposta.
—Átomo é uma coisa que forma tudo que existe.
— Como assim, tudo que existe?
— Todas as coisas são feitas de umas coisinhas bem pequenininhas, tão pequenas que não dá pra ver. Essas coisinhas são os átomos, entendeu? – fez uma pausa estratégica. E os átomos não podem ser quebrados, “átomo” significa inquebrável – terminou, dando um toque de cultura filológica que certamente resolveria a questão.
Mas o garoto não havia entendido. Eles nunca entendem.
— Mas tudo é formado de átomos? Tudo tudo, tudinho mesmo? Até o ar? Até o vácuo?
O pai, pego desprevenido, começou a ficar preocupado. A conversa já estava chegando aos limites do seu conhecimento. Mas achou que até ali ainda dava para segurar.
— Tudo é feito de átomos, o ar, a água, até a pele da gente. Só que são átomos diferentes, existem muitos tipos de átomos, entendeu? Já no vácuo não tem nada, nem mesmo átomos.
A mulher olhava orgulhosa para o marido. Sabia que ele tinha uma queda pelas ciências. Não imaginava era que ele estivesse torcendo para o filho sossegar e deixar tudo como estava.
De fato, o garoto parou um pouco para pensar, enquanto mastigava. O pai aproveitou a brecha e serviu guaraná para todos, tomou um gole e se preparou para mudar de assunto. Não teve tempo.
— Mas e os elétrons? A professora falou que a eletricidade é feita de elétrons. Os elétrons são um tipo de átomo?
O pai começou a se desanimar. O terreno da conversa começava a ficar pantanoso, e ele previa o desastre.
— Não, os elétrons fazem parte do átomo, eles ficam girando em torno do núcleo.
— Mas se o átomo é inquebrável, como é que as pessoas sabem o que tem lá dentro?
—É porque na verdade ele não é inquebrável.
Começava a entregar os pontos. Estava um pouco confuso. Era inquebrável ou não era? Já não sabia.
— E o núcleo é feito do quê? Não pode ser de átomos, né?
Percebeu uma ponta de ironia na voz do filho. O inimigo percebia sua fraqueza. Mas não ia se entregar tão fácil. Percebeu com o canto do olho a ansiedade da mulher.
— Não, é claro que não. O núcleo é feito de prótons e nêutrons. E os elétrons giram em volta.
Pronto, chegara à última fronteira. A partir daí não poderia mais voltar. Era tudo ou nada. Era o pântano.
— E os prótons e os nêutrons, são inquebráveis?
Decidiu arriscar:
— São.
E o garoto:
— Então eles é que deviam ser chamados de átomos!
—É verdade. Também acho.
Propunha assim uma trégua. Olhou para o filho sorrindo, querendo dizer “Estamos do mesmo lado, você não entende de tudo, eu também não; aliás esses cientistas são um pouco malucos, não dá pra entender tudo que eles fazem”. O garoto pareceu aceitar, ou pelo menos não sabia bem o que perguntar.
Tudo se acalmou, ele tinha conseguido. Terminaram o jantar num clima ótimo e foram ver televisão. Mais tarde o garoto foi pra cama, onde talvez remoesse as informações recebidas, e os pais ficaram juntos na sala. Ficaram em silêncio, até que ele decidiu apostar tudo.
— Sabe, na verdade os prótons e os nêutrons são formados de quarks. Mas isso é muito avançado, ele só vai aprender mais tarde.
O olhar que recebeu da mulher lhe garantiu um momento de glória.
Marcel Novaes