DEVEDORES ANÔNIMOS
A primeira vez que dei um cheque pré-datado foi só para experimentar. Achava que ia ser só aquela vez. Mas a verdade é que dali para entrar no cheque especial foi um pulo, nunca mais consegui sair. Fiz uma viagem e levei um cartão de crédito internacional imaginando que, parcelando, quitaria tudo em poucos meses. Aproveitei minhas férias. Porém, eu pagava e a conta não diminuía. O segundo empréstimo quitaria o primeiro e renegociaria a dívida, com juros mais baixos e um prazo maior. Daí surgiu um imprevisto. Minha empregada entrou na Justiça contra mim, fizemos um acordo e tive que pagar uma quantia pequena, mas que enrolou minhas finanças de vez. Cheguei ao fundo do poço. Pegava empréstimos, dava cheques pré-datados quando o dinheiro não dava, comprava tudo parcelado, até comida de supermercado. Tornei-me uma dependente do Banco. Hoje sou uma devedora em recuperação. Recebo, pelo correio, cartões de crédito que pico em mil pedacinhos, folhetos com fotos de mulheres bem vestidas e sorridentes que não devem nada a ninguém e rasgo sem ler.
Ainda devo, mas aprendi que nunca o primeiro pré.
SE FOR DO BANCO, DIGA QUE NÃO ESTOU
Quanto maior a dívida, maior o crédito. Deve bem quem é rico e deve muito. Quando o telefone toca e chamam por Dona Maria, já sei: é cobrança . Estou ferida. Me aguardem, escorpiã renascida. Ferro elétrico, um dia na semana. Net desligada, luzes apagadas, freezer fora da tomada. Pagarei tudo aos poucos e nunca nunca mais pedirei nadinha aos Bancos. Eles vão me telefonar, enviar cartõezinhos, cartas assinadas, oferecer brindes, sorteios, flores, dinheiro fácil. Vão implorar, imprimir cartazes convidativos com fotos de jóias, carros, casas, barcos, viagens, passeios, homens lindos. Mas eu serei irredutível. Dinheiro gostoso é o meu, mesmo magrelo e baixinho. Pagarei alto nossos juros, sem dar um pio. E o Banco que me esqueça. Vingança é um prato que se come frio.
Como um marido desconfiado, como um detetive esperto, como um rabo. Queria seguir minha CPMF como quem segue um córrego que vai dar num rio de dinheiro. Pra onde vai esse rio? Pra vala comum dos recursos públicos? Para o mar da corrupção? Para a modernização de um hospital público? Alguém precisa me prestar contas antes que eu cometa uma loucura. Que sigla abusada é esta que entra na minha conta sem senha e sem convite, me dá uma facada e leva meu dinheirinho suado pra globosfera? Desfalcada, impotente, roubada, otária. Tacitamente assaltada. Mensalmente invadida na minha privacidade monetária. Queria ser um mosquito quântico, uma mosquinha virtual, um vírus inteligente, pra seguir, sem ser vista, cada movimento dessa grana que era minha e que me escapa pela rede, sem que eu tenha como comandar ou conhecer seu destino.
Glória Horta