Gentilezas Fundamentais
Ela me sorriu através da divisória de vidro. Depois, sem que eu pedisse, me trouxe um cafezinho passado na hora, fresco, fumegante. Não se tratava de um gesto mecânico, uma obrigação do ofício. Era uma gentileza, apenas. Uma dessas atitudes cada vez mais raras, que nos acolhem e encantam. Parece bobagem, mas podem prestar atenção: esses pequenos gestos de afeto e solidariedade; esses diminutos intervalos na correria cotidiana; esse "prestar atenção" ao outro fazem um bem enorme. Quebram a rotina endurecida e anônima do dia-a-dia e nos fazem perceber que, afinal, não estamos sozinhos.
A copeira do jornal, certamente, tem problemas de sobra — que devem ir do orçamento familair à saúde debilitada. Pois é ela quem me sorri a cada manhã e me lembra que o café está pronto Trata-se de uma dessas criaturas abençoadas por um renitente bom-humor e por uma alegria de viver contagiantes.
Costumo chamar esses privilegiados de anjos. São eles, certamente, nossos "anjos de guarda": aqueles que nos protegem da eterna racionalidade, da neurose dos horários, da brutalidade da sobrevivência, da falta de atenção ao essencial. E o essencial é respeito e delicadeza. Esses pequenos cuidados, essas gentilezas aparentemente inócuas. Parar por um segundo e agradecer, sorrir, olhar nos olhos, estender a mão.
A copeira, o guarda na entrada do edifício, a secretária que atende com carinho, o taxista que detalha a informação, o profisional que explica com paciência. A arte da convivência, desconfio, não está nos manuais de psicologia, nem nas profundas discussões existenciais. Ela se encontra escondida atrás de um sorriso matinal, um elogio despretensioso, de um cafezinho fumegante,
Quantas vezes o calor, o trânsito emperrado, as filas de banco são amenizados por esses gestos angelicais? O segredo é parar. Conseguir interromper o fluxo que nos carrega diariamente para o trabalho, a rotina familiar, as contas a pagar e perceber a pessoa ali ao lado. Não que todas elas mereçam essa atenção. O ser humano às vezes é muito chato, inconveniente ou francamente invasivo. A esses reservemos uma discreta e cuidadosa distância. Aos outros, porém, é muito mais produtivo e gostoso sorrir ou oferecer um café. Faz bem à alma. Deixa a vida um pouquinho mais colorida e suave.
Tenho tomado meu cafezinho matinal com a gostosa sensação de que o ser humano é viável; de que viver pode ser um exercício fascinante.
Carmen Cagno