Cena eleitoral
A cena parecia, no mínimo, insólita. Um helicóptero perdendo, lentamente, altura até aterrissar numa clareira. Num pedaço desmatado da Vila Progresso, perdida nos confins da metrópole risonha.
Do aparelho, desceram homens engravatados. Seguidos de outros portando câmeras e luzes. A vila tinha sido escolhida para mostrar o descaso dos políticos da Situação em relação aos excluídos.
Logo foram cercados por recicladores de lixo, desocupados, crianças remelentas e cachorros sem pedigree. Os homens engravatados pediram para falar com o líder comunitário. Logo Antoninho, vulgo Caveira, se apresentou.
— Bom dia, dotô, nóis estamo cheio dos políticos que só promete i não cumpre.
— Bom dia seu Antoninho. Eu sou Fulano de Tal, candidato a prefeito e irei promover o progresso desta vila de belo nome.
— Sêo Fulano, promessa vocêis sempre faz. Cumpri é que são elas...
— Qual o principal problema da Vila, seu Antoninho?
— Nois moremo perto do valão. É o Fedorão. Fede no inverno e no verão. Cria bicho.
— Transformaremos o valão mal-cheiroso em um arroio balneável, para que os moradores se refresquem nas águas.
— Assim, a gente espera, dotô.
— Se eleito for minha promessa será cumprida!
Fulano de Tal foi se afastando do tumulto. Cachorros rosnavam. Crianças pediam um trocado. Mulheres grávidas circulavam solicitando um postinho de saúde. Velhos, um asilo.
A produtora filmava tudo. Depois editariam para mostrar em horário nobre, na propaganda eleitoral.
Veio o pleito e Fulano de Tal venceu por apertada margem de votos. A Situação diante do programa eleitoral, também, havia se mobilizado. Porém, os votos da Vila Progresso fizeram a diferença.
O tempo passou e nada de Posto de Saúde, asilo. E o arroio continuava fazendo jus ao nome. O mau cheiro invadia as casas. Mosquitos reproduziam-se nas águas escuras. Inadvertidas crianças, enlouquecidas pelo calor, jogavam-se nas águas. Voltavam cheias de micoses e desarranjos intestinais.
O mandato chegava ao final.Aproximava-se mais uma eleição .Fulano de Tal, nada havia feito. Entrincheirado em sua confortável sala governava para os empresários e poderosos locais.
E veio a chuva. Inesperada, intensa, com ventos velozes. Uma precipitação pluviométrica de um mês inteiro caiu naquele dia. O Arroio Fedorão transbordou, invadiu e destruiu casas.Comentava-se que um casal de idosos tinha falecido, arrastado pelas águas.
De novo, o helicóptero, reapareceu. Desceram os homens engravatados. Juntos os produtores de tevê. Mas, agora, eram outros. A oposição de Fulano de Tal vinha filmar tudo e numa última tentativa voltar ao governo municipal. Um programa bombástico seria preparado.
Novamente, a vila Progresso, mais promessas, discursos. E o arroio continuava a feder e molhar a todos, indiferente aos homens e sua retórica...
Ricardo Mainieri