Será que neva em Jericoacara?

O "neocoronelismo" do PT também usa jagunços e se inspira no tirano albanês Enver Hoxha, ídolo do jovem Genoino

Óbvia e comovente foi a maturidade demonstrada pelo eleitorado brasileiro no primeiro turno destas eleições municipais, ao se expressar de forma independente, sem ligar para indicações ou pressões vindas do alto. E, assim, sepultou uma das mais nocivas heranças do coronelismo, fonte do atraso de nossas instituições políticas: o voto de cabresto.

Evidente e revoltante, contudo, é a renitência de vícios e costumes do mesmo coronelismo de antanho na cúpula do partido que se diz o mais progressista e que assumiu o poder federal há dois anos. No poder, o PT age como o faria o último dos coronéis, o lendário Chico Heráclio do Rego, de Limoeiro (PE). E - para cúmulo da ironia - uma das vítimas da truculência de seu "neocoronelismo" é um político que tem o nome do chefão de clã do interior nordestino, acrescentando-se-lhe apenas a esquálida consoante : o senador Heráclito Fortes (PFL-PI).

Para um auditório de poucos e indiferentes ouvintes e uma Mesa insensível à gravidade do assunto abordado este contou a violência de que foi vítima em Barreirinhas, nos Lençóis Maranhenses, sob os domínios do clã a que pertence o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP). Na companhia de cinco amigos, com os quais tinha ido passar o feriado, o senador foi interpelado, às margens do rio Preguiça, pelo juiz da comarca, Fernando Barbosa de Oliveira Júnior, disposto a tirar a limpo a denúncia de que o grupo levava na bagagem dinheiro para a campanha do adversário peemedebista do candidato petista local, o companheiro Miltinho. O argumento do juiz de que não precisava de denúncia por escrito para proceder a revista, bastando-lhe para tanto um boato, foi reforçado pela presença do companheiro Miltinho, acolitado por oito jagunços, definidos pela vítima como "armários", o que não deixa dúvida sobre o avantajado porte físico deles. O que era desnecessário, uma vez que não ocultavam suas armas de fogo. Não havendo dinheiro nas malas do grupo de turistas, o juiz se comprometeu a dar ao senador um atestado, mas não foi encontrado no Fórum no momento aprazado.

Do presidente do Senado não convém a vítima esperar mais que a determinação formal para o corregedor Romeu Tuma (PFL-SP) apurar o episódio - cujo resultado mais provável será excesso de adjetivos e escassez de pena. E quanto ao PT?

Bem, desde que o partido, que já se pretendeu monopolista da virtude e da modernidade em nosso panorama institucional, assumiu o poder, sua cúpula tem marchado a passos firmes para se distanciar dessas pretensões e, também, do amadurecimento do eleitorado. O presidente nacional, José Genoino, nem precisa buscar inspiração nos coronéis de antanho, pois seu ídolo de juventude foi o camarada Enver Hoxha, tirano albanês que, com seu marxismo pastoril, serviu de inspiração para aventuras grotescas, como a guerrilha do Araguaia, da qual fora o companheiro presidente do PT sobrevivente singular.

Tendo de novo incorporado o espírito de Hoxha, Genoino esteve a ponto de pedir a canonização do neopetista Flamarion Portela, antes de as evidências das maracutaias deste o desapearem do governo de Roraima. Mais recentemente, negou-se a se desculpar pelas lambanças que perpetrou na campanha em Fortaleza porque pesquisas equivocadas levaram a cúpula palaciana a desprezar a candidata petista, Luiziane Lins, que chegou ao segundo turno, passando o favorito do alto comando federal, Inácio Arruda, do PCdoB. E inaugurou o centralismo democrático em terreiro alheio, ao recriminar de público Luiza Erundina, do PSB, e Paulinho Pereira, do PDT, por não terem seguido as diretrizes do PT, enquanto bajulava o antes execrado Paulo Maluf, do PP, na caça de seu apoio à prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, candidata do PT à reeleição. Assim, pretender que nosso Hoxxa do Iguatu puna o "neojaguncismo" equivale a contar com neve neste verão em Jericoacara.

JOSÉ NÊUMANNE (*)

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(*) Jornalista, escritor, e editorialista do Jornal da Tarde

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