RECEITA DE OMELETE DE TARÂNTULAS À TIROLESA
Um ditado ou provérbio da direita alemã do início do século XX continua, preocupantemente, atual: “A manjedoura é sempre a mesma, só o que muda é o gado que nela se alimenta”. Bakunin, o teórico e líder anarquista, dizia algo similar: não lhe importava a coloração (ideológica, no caso) do cacete ou do bastão de quem nos surra pois, azul, verde, vermelho ou roxo, a dor é intensa. Uma grossura verdadeira e realista?
Em um rubro tronco de carvalho na Prússia Oriental uma tabuleta ali afixada no século XVIII expressa em francês medieval a lealdade do proprietário daquela mutável e imutável paisagem a um amigo que lhe era especial. Fidelidade é uma postura medieval?
O vento assanhava a minha cabeleira numa feliz cavalgada (sensação de superioridade infinita) sem arranhar o profundo silêncio que permeia o milagre da criação. “Pérolas enfileiradas no horizonte avermelhado crepuscular”. (Cf. in: Marion, Condessa Dönhoff – Minha infância na Prússia São Paulo – Editora 34 – 2002 – da pág. 86 à pág. 126). Gansos selvagens, a morte onipresente/onipotente ao longo do filme O Sétimo Selo de Ingmar Bergman, cavaleiros em corcéis brancos, uma comitiva de músicos mascarados tangendo seus rabecões em meio aos gritos de pavor das meninas, ursos, cegonhas, anões misteriosos com óculos de transviados dos anos 50 do século XX, um pálido azul de céu outonal fragmentam-se em meu imaginário para comporem à noite um filme desconexo ao qual (além de mim) ninguém mais assistirá.
“O vento corre em pequenas ondas sobre os campos de centeio movimentando ritmadamente os talos e as espigas verdes acinzentadas com seu manto de brilho prateado... e só nos campos de restolho se pode galopar por quilômetros num verdadeiro clímax vital, na mais absoluta e sublime sensação de leveza e de liberdade. O mundo fica aos nossos pés e, em volta, os rubros bagos da sorveira contrastam com o céu esbatido dos outonos europeus. Em minha infância ainda não havia tudo o que hoje faz parte da vida cotidiana – nem rádio, nem televisão, só muito raramente um automóvel. Quando algum automóvel perdido ia dar nas estradas rurais da Prússia Oriental, todos os cavalos se assustavam, e tínhamos de ficar contentes se eles não desembestassem. Uma vez eu vi um camponês saltar depressa da carroça, tirar seu casaco e cobrir a cabeça do cavalo para lhe tapar a visão da máquina infernal.” (Marion, Condessa Dönhoff – obra citada – entre as páginas 86 e 90).
No início do século XX, na Prússia Oriental, ainda tinham esses zelosos cuidados com os animais. Hoje, no início do século XXI, bandidos das periferias e subúrbios das pequenas, médias e grandes cidades latino-americanas roubam cavalos nas chácaras mais próximas e neles vão cavalgando até os grandesbairros e pelas zonas urbanas mais centrais encenando estrepolias machistas nos dorsos destes indefesos corcéis (ou pangarés) até se sentirem menos eufóricos e sem graça, abandonando-os em seguida e transformando-os em “cavalos de rua” que, assustados com o fluxo do trânsito e podendo até provocar acidentes, são amarrados (sem água e sem alimentos) em árvores (à beira das calçadas) – providência adotada por autoridades municipais que, logo depois, muitas vezes, os encaminham aos centros de extermínio de animais, considerados “problemáticos” em perímetros urbanos!... Saudades dos tempos em que “vivíamos totalmente concentrados nas pessoas à nossa volta, na natureza e nos animais”, época na qual eu dormia em colchões de capim costurados pelo senhor Crispim! Se saudade matasse.... só roubando um Matisse, diria Jean Genet!...
José Luiz Dutra de Toledo