MOINHOS DE VENTOS

Dom Quixote, o Cavaleiro da Triste Figura, imortalizado por Cervantes, tornou-se o protótipo daqueles que lutam contra “moinhos de vento”, leais defensores de utopias e valores que estão se perdendo, ou já se perderam.

Como ele, ainda existem muitos, que insistem em lutar contra marés e ventos, e provar que o ser humano não é, apenas, uma gota d'água no oceano da mediocridade, mas um oceano na gota d'água da virtude.

A fragilidade e anacronismo de suas aparências e atitudes escondem uma infinita e incansável força de espírito, pois não é fácil remar contra a correnteza, enfrentar tornados e sobreviver às avalanches, em nome de ideais e sonhos.

Suas lutas podem parecer inglórias e temerárias, pois estão, sempre, em menor número. Suas armas aparentam não servir mais para o combate moderno, pois: honestidade, coerência e discernimento não são páreo para a corrupção, malícia e violência, que ponteiam e são celebradas pela sociedade. Mas nem por isso eles esmorecem, se prostram ou se rendem; pelo contrário, prosseguem sua saga por entre obstáculos, que são renovados e multiplicados, para protegerem os castelos da farsa, da cobiça e da tirania.

Muitos os questionam porque não aceitam as facilidades oferecidas e a conjunção de forças... Seria tão mais simples! Ignoram que essas facilidades são como nós górdios, e que a conjugação de forças opostas tende a exaurir o espírito e transformar ideais em oportunismo ou provar que eles nunca foram nada mais do que isso!

Muitos, na verdade, os respeitam por isso; mas têm medo de tornar sua luta solitária o ideal de uma legião. A sombra e as sobras do poder ainda fascinam mais...

Os que os crêem tolos ou insensatos têm, na verdade, medo do sucesso de sua luta, pois sabem que seus “atributos” não teriam serventia num mundo utópico. De fato, o pior momento da escravidão para quem aceita ser escravo, por conveniência ou inércia, é o da libertação, pois quem vive assim tem medo de enfrentar os desafios da liberdade. Então, preferem continuar escravos ou feitores, por medo do novo ou de descobrirem seu real valor.

Os moinhos de vento ainda existem, e os ventos são cada vez mais fortes. Os cavaleiros ainda lutam, não mais contra os moinhos, mas contra as tempestades de um mundo cada vez mais desumano e limítrofe. Hoje, além de motivo de escárnio ou condenados ao ostracismo – pois negar o sucesso material “fácil” é um pecado mortal, num mundo sem virtudes – também estão próximos da extinção! Se deixarem de existir, num átimo o vento será tão forte, que erodirá todos os sonhos, Sanchos Panças, Rocinantes e Dulcineas. Só haverá senhores de ventos e servos, ao sabor deles ou eternamente macerados sob as mós de seus deveres e dívidas...

Todos nós, por mais materialistas que pareçamos, temos ao menos uma recordação boa e um sonho puro em nossas mentes. A vida pode soprar seus ventos na tentativa de ocultá-los, sob a poeira do esquecimento, ou apaga-los, na erosão do desencanto; mas todos temos nossa armadura, nosso escudo, nossa lança e nossa espada, para lutar contra as forças que nos negam a liberdade do espírito e a chance de aflora-los, sem que nos sintamos tolos. Sempre haverá os que preferem usar essas armas para destruir qualquer vestígio de virtude em si e nos outros, preferindo viver dos sonhos e desejos de poder de seus senhores; mas se cada um acreditar numa vida melhor, não haverá tempestade que apague essa chama; e com tantas chamas acesas, não haverá espaço para a escuridão e quem vive dela ou nela.

E quem se atreverá a escarnecer da bela figura de uma legião de Quixotes, sonhando e fazendo um mundo melhor - por seus méritos e partilhas -, semeando esperança e espantando corvos, ervas daninhas e parasitas, que tolhem a evolução da seara humana?

Se os sonhos são produtos de mentes férteis, nossa vitória definitiva será aprender a domar os ventos adversos, para que passem a servir à disseminação de seu pólen e semente!

Eh, Rocinante!

Adilson Luiz Gonçalves

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