Sábado
De tudo sobra um pouco (Drumond)
Quando li esse poema, especialmente este verso “de tudo sobra um pouco”, minha alma restringiu-se e expandiu-se no tudo e no nada, transcendeu... urrou num sussurro:
— Esse verso é meu !!! Eu deveria ter escrito esse poema. Por que o Drumond fez isso comigo ? Por quê?
Era sábado e chovia.
A chuva lá fora, intermitente como a vida, levava de tudo um pouco, e deixava mais um pouco.
O prego solitário que já sustentou um quadro ainda ali, na parede, o sorriso da menina na foto da escrivaninha, a tinta da caneta segurando um poema inacabado, a almofada do sofá branco, que já foi amarelo. O deslumbramento da menina ainda na mulher, a vontade de correr, brincar, de chorar por chorar, de comer. Um pedaço doce de saudade acariciando. Resquícios de vinho no copo lavado, a cinza do cigarro, a lâmpada apagada , o sapato esquecido debaixo da mesa. A magoa do adeus sem volta, o sabor do acreditar, o olhar num olhar. A gaveta semi-aberta, o pedaço do infinito na janela.
De tudo sobra um pouco.
Aos poucos me reconciliei com Drumond... A reconciliação da verdade que só a poesia consegue , universaliza o particular, enquanto continua absurdamente, singular.
Era Sábado e sobrava um pouco de tantos outros Sábados da minha vida.
Sandra Falcone