CAPELA SEIS
(UMA CENA CARIOCA)

          As pessoas passavam na capela e viam aquela mulher abraçada ao caixão, chorando convulsivamente.
          Ela estava sozinha, no último adeus ao ente querido.
          Por vezes, um soluço dolorido cortava o ar, ressoando pela sala vazia.
          Levantou os olhos e começou a cantar uma melodia triste e bonita: — Quanta luz neste ambiente, descendo sobre nós, brilhando em nossa mente...
          Parava um pouco, tomava ar, o peito resfolegava irregularmente. Continuava, com dificuldade: - Quanta luz quando assim em prece nossa alma cresce aos olhos de Jesus...
          Não agüentava a sufocação no peito. Nova pausa. Enxugava os olhos, o rosto, com o lenço ensopado. Olhava para os lados. Ninguém. Só ela, de viva, e sua mãe, no caixão, sozinhas na capela triste, com, cheiro de vela e de flores vindo de algum outro funeral, porque até então nenhuma coroa havia chegado para o velório, ninguém acendera uma luz para a morta.
          — Quanta luz, quando em oração... a voz do Mestre (engasgo) fala ao nosso coração...
          Algumas pessoas passavam pela porta, dirigindo-se às outras capelas, diminuíam o passo para observar aquela cena estranha de uma mulher sozinha abraçada a um caixão, chorando e cantando.
          Ela respirou fundo, levantou a cabeça e terminou: - Quanta luz descendo sobre nós, quanta luz... – a última palavra saiu quase como um gemido fino, sentido, dolorido – quanta luuuuuuz...
          Enlaçou-se ao esquife, mais uma vez, fez uma prece, pronunciou palavras de dor e de saudade. Concluía, aos prantos, quando abriu os olhos e viu, parados, ou melhor, paralisados, à porta da capela, seus três filhos, netos da desaparecida, sua irmã e mais alguns familiares.
          O filho mais velho é quem lhe fala, atônito:
          —  Ué, mãe, o que é que você está fazendo aqui?
          — A mãe arregalou os olhos, surpreendida com a pergunta estapafúrdia e incompreensível de seu filho:
          —  Como, o que é que eu estou fazendo aqui!
          —  Ora, mãe, a vozinha não está nesta capela. Olha aqui, o nome é outro. O falecido nem é mulher!
          Ela foi à porta, incrédula. O nome era outro. Voltou para dentro da capela, acercou-se do caixão, os quatro a acompanharam. Ficou brava:
          —  O quê? Isto é um absurdo! E a minha mãe? Onde está a minha mãe? O que fizeram com a minha mãezinha? Não, vocês estão enganados, esta aqui não é a capela seis?
          Sua irmã explicou:
          —  Não, mana, esta é a três, você confundiu os números.
          Ele revoltou-se, agora, sim, verdadeiramente irada:
          — Então eu estou aqui há mais de hora, chorando, rezando e cantando para uma outra pessoa?
          Os filhos, a irmã e os demais parentes não agüentaram e explodiram juntos em gargalhadas. Só mesmo ela, para fazer uma loucura dessas. Aos poucos, sua surpresa e raiva foram transformando sua expressão e deram lugar ao riso estridente. O velório da Capela Três transformou-se no mais alegre que se viu nos últimos anos. Quem passava pela porta não acreditava no que estava vendo, parava um pouco e observava, enquanto o pequeno grupo se esborrachava de tanto rir.
          O falecido, se pudesse, não haveria de entender nada. Sua família, chegando a tempo de presenciar os momentos finais daquela estranha cena, muito menos.
          Quando os cinco conseguiram estancar o acesso de riso e saíram, suas almas estavam lavadas e tinham o espírito leve. Mas por pouco tempo. À medida em que se aproximavam da Capela Seis os corações iam aos poucos se apertando de profunda tristeza. Choraram e riram. Era hora de chorar, novamente.

Goiano Braga Horta

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