Ao filho que nasceu

      Victor... 

      Você veio antes da hora. Teve pressa, não quis esperar a maturação. Nasceu assim, de uma hora para outra. Queria ver o mundo, certamente. Ver, com seus próprios olhinhos, as coisas que eu sussurrava para você. O banho era nossa hora, só de nós dois. Ambos envoltos em água, em vida.
     Eu falava do tempo, das coisas bonitas que via. Contava sobre a luz do sol, ofuscante quando refletida nos mármores da cidade. Falava do céu estrelado, que alí, tão no alto, parecia estar ao alcance das mãos. Reclamavada dos intermináveis dias de chuva, quando os dias eram feitos de cinza e lama. Dias de Macondo numa cidade futurista. 
     Você veio antes da hora. Teve pressa, não quis esperar a maturação. Nasceu assim, de uma hora para outra. Queria ver o mundo, certamente. Ver, com seus próprios olhinhos, as coisas que eu sussurrava para você. O banho era nossa hora, só de nós dois. Ambos envoltos em água, em vida.
     Mas também lhe contava do verde que atapetava a cidade e das bouganvillies de todas as cores e matizes, resistentes ao clima e aos homens. Teve pressa. Eu compreendo. Se me contassem do mundo só suas maravilhas também quereria conhecer esse Édem. Mas é que as mães são assim. Para seus filhos, só as arcas com tesouros no final de cada arco-íris.
     Para ver esse mundo, você correu seu primeiro grande risco nessa terra. Foi ousado naquela manhã de junho, como o é até hoje. Nem pensou, por certo, como sobreviveria do lado de fora. Imaturo, pré-maturo, apressado. Como sentiria o perfume da vida se nem pulmões tinha para respirar?
     Como você lutou, meu filho! Tão pequeno, tão indefeso e tão corajoso! Vivemos juntos-separados por 39 dias. Dias de apenas nove minutos. Dias divididos em turnos. Três minutos a cada manhã, cada tarde, cada noite. Lembro da primeira vez que lhe toquei. Você completara um mês. Trinta dias. Quatro semanas. Sobreviveramos esse tempo serapados por uma redoma de acrílico.
     Toquei você por segundos, graças à bondade de uma enfermeira. Escondida, a contrariar determinações médicas, retirou você daquele útero artifical. Ela era-é mãe. E, a nós, mães, certas transgressões são permitidas. Deus - e os homens de boa vontade - faz vista grossa para essa falhas. Eu sei.
     Aquele instante valeu por todas os segundos, minutos, horas, dias, semanas de separação. Valeu por todas as emoções e sentimentos contráditórios, que me torturavam todo o tempo. Você lutava, resistia. Eu me debatia entre angústia, medo, desespero, fé e esperança. Quantas e tantas vezes pedi a Ele que nos trocasse de lugar. Que fosse eu a lutar pela vida. E se por você tivesse de dá-la, eu daria. Sem titubear.
     Você, Victor, nasceu de abusado. Sobreviveu pela coragem. Lutou suas batalhas.  E, ao vencê-las, me deu lições de vida. Hoje, meu filho, porque você existe, aprendi-apreendi o significado de cada uma dessas palavras. Elas estão gravadas aqui, na minha alma, em lágrimas e risos.
     Eu te amo.

Simone Salles

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