Quando se findam os ciclos
Amontôo todo o tempo que não tenho para tecer impossíveis. Os impossíveis são seres com ciclos diferenciados daqueles que têm início, meio e fim. Há perfeição na matéria do impossível. Permanência. Já eu, falível, humano, predestinado ao tempo, contemplo involuntário o fim das coisas.
Os ciclos dos quais me componho não aprendem a esquecer o lado de dentro das promessas, que me fazem certos iguais, por mais que eu me suspenda todos os dias nas cordas do imaginário e reapareça um pouco mais exato diante da realidade.
Para aceitar a imperfeição de meus iguais, autentico futuros que não me cabem, e isso é sempre uma fraude. Uma espécie de amor em que me sonho forte. Arrasto umas águas demasiadas para suprir a sede do espírito. Vivo o meu meio aos avessos: desejos que esculpi de dentro para fora, envolvendo humanos cujos ciclos se fecharam às possibilidades do sim. É que o impossível traz nos dentes amores-pecados. Ele é a fé no corpo esquivo da literatura que me ensina mais do que deve.
O fim de um ciclo pode curar metáforas incompreendidas no alheamento de meus semelhantes? Não, porque encerrar ciclos é retirar da vida os pretextos furtados pela compreensão. É inaugurar novos atalhos onde tudo será revestido em ineditismos, assim no escopo dos términos, as metáforas da vida apenas se parafraseiam em silêncios.
Penso nas serpentes que vão se abandonando no caminho e ressurgindo outra, deixando-se pele para o susto dos passantes. O impossível é também uma espécie de serpente que vai trocando a pele de nossos amores. Penso nos insetos cujos ciclos são alterados por sapatos e inseticidas. Eles estão sempre prontos para morrer. Penso nos bois a mercê das próprias patas e nos matadouros com o ciclo dos animais dependurados pelas costas, em ganchos que não perdoam o instinto inútil destes cadáveres: tão aptos à nossa mastigação. Penso nos formandos que deixam suas paixões solteiras, intactas, pelos corredores universitários e desquitam-se do próprio destino aliando-se à verdade da aparência. Quando se finda um ciclo, o proibido não negocia sobrevivências na terra dos que sonham demais. Talvez sejamos frutos dos ciclos de Deus, que não nos presenteia com escolhas reais, massageia-nos apenas com pedaços de livre-arbítrio.
O fim dos ciclos é sempre poema para o impossível, impondo para alguns um grau inferior perante o enorme diploma feito de letras, dor e um ou outro esquecimento.
Rubens da Cunha