Uma adolescente em chamas em Porto Seguro
Quando começaram os primeiros vôos turísticos para Porto Seguro, eu e Sandrinha embarcamos num pacote para aquelas paradisíacas praias baianas. No primeiro dia no hotel, travamos conhecimento com Isabela Scalabrini, a simpática e doce repórter da Rede Globo, que também estava no mesmo pacote turístico, junto com o marido e os dois filhos. O nosso hotel ficava a cerca de 16 quilômetros da cidade, e à noite foi colocado um ônibus a nossa disposição para aqueles que quisessem se aventurar pelas famosas lambadarias baianas. A simpática repórter e o marido, que até o momento eram os nosso únicos companheiros, como estavam com os filhos, preferiram ficar no hotel, enquanto eu e Sandrinha partíamos para enfrentar as noitadas portosegurenses. Formávamos um pequeno e heterogêneo grupo. Sentado na minha frente estava Pietr, um gay holandês que tinha um programa do tipo Jô Soares na televisão de Amsterdã. Um pouco atrás ia Mary, uma quarentona solteira que morava com o pai aposentado num apartamento no Leblon. Um pouco mais atrás ia Neves, um editor já passado dos sessenta que a tudo admirava com o seu olhar contemplativo. Completando o grupo ia Adriana, uma adolescente paulista de quinze anos que possuía um fogo interno capaz de deixar o vulcão que destruiu Pompéia parecer um pequeno palito de fósforo.
— Vamos arrebentar em Porto Seguro – era a adolescente em chamas gritando.
Mal havíamos alcançado o primeiro quilômetro de estrada e Mary, a quarentona solteira, resolveu testar o seu poder de fogo em cima de Pietr, pois ainda não sabíamos das suas preferências sexuais. O holandês, qual o famoso Cruyf, driblou a quarentona solteira e partiu para cima de Negão, o musculoso motorista louro que não era preto e usava um vistoso rabo de cavalo e brilhantes brincos. Descadeirada, mas já recuperada do drible, Mary partiu para cima de Neves, o editor contemplativo. Estava esperando alguma coisa como no mínimo uma fogueira de São João e encontrou uma velinha de aniversário, insuficiente para acender o seu fogo adormecido havia alguns anos. Enquanto Adriana, a adolescente em chamas, ensaiava alguns passos de lambada no corredor do ônibus, Mary procurava uma terceira vítima. Eu preferi fechar os olhos e fingir que dormia, para evitar algum ataque inesperado.
Quando chegamos à cidade, Pietr, o holandês gay, preferiu ficar no ônibus conversando com Negão, o louro musculoso, enquanto íamos todos enfrentar os perigos de uma lambadaria portosegurense. Mary, a quarentona solteira, não perdeu tempo. Grudou num daqueles dançarinos locais, e, o rapaz passou por um mal momento, pois enquanto esperava uma lixa de unhas, teve que enfrentar um ralador de cocos. Adriana, uma adolescente em chamas, sacudia mais do que gelatina dentro de um ônibus em estrada de terra, e Neves, o editor contemplativo, a tudo assistia calmamente. Quando o relógio marcou uma hora da manhã, eu, Sandrinha e Neves resolvemos voltar no último ônibus. Adriana, a adolescente em chamas, continuava a se sacudir, enquanto Mary, a quarentona solteira, falava que ia ficar: - Vou ficar, pois preciso ensinar algumas coisas a essa menina inocente, falava referindo-se a Adriana.
No dia seguinte, na beira da piscina, estávamos eu, Sandrinha, Isabela e o marido a conversar. Logo depois chegou Neves, o editor contemplativo, que ficou sentado ao nosso lado pensativo. Quinze minutos depois apareceu Pietr, o gay holandês, que nos falou sobre os seus planos de voltar a Porto Seguro, brevemente, para gravar um especial para a televisão holandesa. Logo depois surgiu Adriana, uma adolescente em chamas, acendendo um fogaréu entre os empregados do hotel com seu minúsculo biquíni. – Vou fazer um top less! Gritava. Isabela, a doce repórter, teve que convencê-la que o momento e o local não eram apropriados, e quem sabe nem o ano da sua vida. Quando já pensávamos em ir almoçar, surgiu Mary, a quarentona solteira, que mal conseguia andar. Afundou numa espreguiçadeira e enterrou a cara num livro de Balzac, Mulher de Trinta , como que querendo enganar a idade.
— Mary! – gritava a adolescente em chamas – vamos incendiar Porto Seguro hoje à noite novamente? Mas a nossa quarentona solteira mais parecia um monte de cinzas de onde não havia perigo de nascer nenhum Phoenix.
Anos depois, quando voltei a Porto Seguro pelo mesmo pacote, a história já era outra, com a popularização daque tipo de turismo, dentro do avião já rolava uma batucada, mas isso já é assunto para outra crônica.
Emerson Rios