Segunda-feira

Era segunda – feira.
Cansado aquele segurança já pegava a sua segunda condução.
Ia voltar pra casa... E ainda era quase seis da manhã.
A alegria dele, era saber que iria chegar em casa e encontrar a esposa e as filhas, tomar café com elas e dormir o sono dos justos, até pegar o outro serviço do shopping, ao meio-dia.
O sono estava tomando conta dele, talvez pelo fato de guardar um banco durante horas a fio, só olhando, vigiando, atento... em pé... talvez porque depois ele ainda teria outra jornada.
Ele bem que gostaria que não fosse assim, mas com duas filhas pequenas, com a mulher desempregada, ele não poderia se dar ao luxo de dormir, ele era como um tubarão, como gostava de dizer, não poderia parar de nadar, ou afundaria e morreria.
O metrô já estava começando a lotar, ele se sentou, como só ia descer na última estação, podia dormir um pouco...
Enfim dormiu.
Fato, aliás, muito corriqueiro, em uma cidade que não pára um minuto sequer, onde poucos dormem pouco e muitos praticamente nem dormem, é de fato, uma cena comum, não fosse ele ter dormido com os pés da cadeira da frente.
O vagão ia enchendo... enchendo... cada vez mais...
Um senhor entra brigando e esbravejando reclamando com um garoto, dizendo que tinha sido empurrado por ele, depois de algum nervosismo, a confusão logo é resolvida, mas o senhor muda sua expressão de novo quando vai sentar e se depara com os pés de um dorminhoco. Ele grita, esbraveja; o homem abre os olhos, furioso por ter acordado, só a sua mulher conseguia fazer tal ação sem ter maiores conseqüências, ele respirou fundo se arrumou na cadeira e tirou seus pés, o senhor então pode se sentar, mas ainda falou qualquer coisa.
Ainda faltavam sete estações, então ele se pôs a dormir, que naquele momento era o melhor que ele fazia.
O vagão foi lotando...
Lá pela quinta estação, entrou outra legião de pessoas apressadas, e querendo sair logo, no meio dessa gente, uma senhora grávida, que, pela barriga, parecia que ia dar à luz a qualquer momento, olhou... olhou... e nada, nenhum lugar que já não estivesse ocupado por quem de direito, ela estava cansada de tanto andar, com sua sacola cheia de coisas, pesada tanto quanto a dona, quando viu aquele cidadão dormindo, ou, quem sabe, até mesmo fingindo dormir para não sair dali, ela jogou todo peso de sua sacola naquela canela, que sentiu uma de suas maiores dores, o homem abriu os olhos, não com raiva... com ira! Com ódio!... Pela segunda vez o acordaram.
Levantou os olhos, vermelhos de sono, e ia se levantar afinal ele poderia agüentar o resto da viagem de pé, só faltavam mais três estações, muito sonolentamente fez o movimento típico de quem ia se levantar, mas caiu uma moeda que ele foi pegar, permanecendo sentado, a mulher não se agüentou, gritou, esbravejou, ironizou, insultou sua mãe.
Ele olhou... calado.... Pegou o braço dela, mais forte do que ela poderia suportar, e pediu para que não falasse da mãe dele, que isso ele não podia agüentar, jogou o braço dela, continuou dizendo que foi só pegar a moeda que tinha caído, que já ia se levantar, ela não acreditou continuou falando, agora ironizando novamente o cidadão, o senhor que estava do lado, se levantou oferecendo o lugar que era dele, a mulher negou, furiosa, disse que aquilo já não era mais questão de lugar, era questão de respeito, e falta de respeito era coisa que não podia suportar, ele tinha que aprender... A confusão foi aumentando...
E já naquela altura, não havia quem não concordasse com aquela mulher que, afinal está pra dar a luz, mulheres neste estado sempre estão certas, todos concordavam com que ela dizia, sem saber a exata dimensão das coisas, e agora todo o vagão falava, todo o vagão brigava, como se fosse - o vagão - um ser, ali colocado para julgar o tal homem, sem saber exato o porquê, ela com este trunfo ficou animada, continuou falando, e o cidadão que ia se levantar continuou sentado, ouvindo o que a mulher dizia...
Os olhos dele estavam vermelhos, mas não era mais de sono, agora era raiva, ódio, e ela ia falando...
Em certo momento percebeu a aliança na mão esquerda e colocou sua esposa como de vítima, e ele na condição de carrasco que batia na mulher e sabe-se lá quantas atrocidades mais, e que os filhos dele, se tivesse, deveriam ser todos revoltados e tinha uma evidência de todos esses mal-tratos, bastava olhar pros olhos dele, todos concordavam, a confusão já estava generalizada, não se sabia quem tinha começado o que, o que se sabia era que seja lá o que fosse, ele com certeza era o culpado, e ela continuava, apoiada por aquele senhor.
Ela continuou a contar (na versão dela) a história da vida dele, da mulher...
As ofensas foram crescendo em relação à mulher dele... a família dela...
E o passageiro lá... Sentado... Só olhando... Em silêncio.
Súbito, do vagão vizinho ouve-se um tiro....
Cai uma senhora com sua enorme barriga...
Silêncio...
Fato que teve seu império por alguns poucos segundos, e todos viram um garoto que há algumas estações atrás tinha sido acusado de empurrar um simpático velhinho. Estava caído, e todo o sangue do mundo vertendo dele, aquela mulher calou, levantou-se devagar, assustada, com aquele cidadão e por estar ainda viva... olhou para ele, sabia que aquilo era pra ela, olhou para o chão e sem que ninguém visse suspirou fundo, quase como um sorriso...
Todo o absurdo do mundo pousou como avião sem freios nos olhos daquele senhor, que por instante olhou pra cima, e agradeceu a Deus a dádiva concedida.
Uma arma, fumegante, olhava para o garoto, sem nenhuma admiração, talvez porque isso seja comum para uma arma, o homem olhava com olhar petrificado para o garoto, sem forças nas mãos como também em todo corpo, deixou a arma cair, caindo ele em seguida de joelhos, olhou pra cima, viu a mulher, o senhor, todos dali. Os passageiros sabiam do que acabaram de escapar, e sentiam a imensa alegria de estar ali, vivos, por mais um dia..
Uma grávida, muda pelo momento, soltou toda a voz que tinha em sua garganta num grito estridente e confuso, que, como em uma sinfonia, foi seguido de outros, amedrontados.. e outro, e outro...
Alguém puxou a alavanca para parar o trem... .guardas do metrô estavam a caminho.
A uma estação da que ele ia descer, o vagão parou, os guardas, em grande alvoroço vieram, a mulher disse que ele tinha dado vários tiros no garoto, é verdade que foi um só, mas talvez ela estivesse nervosa e tivesse perdido a conta, talvez todos daquele vagão estivessem nervosos, porque todos, ouviram vários disparos, até mesmo aquele senhor, mas vários disparos ou um só, não fazia muita diferença, o fato era o próprio fato em si, e nada poderia mudar isso.
Uma esposa, esperava o marido, que já deveria ter chego a uma hora, com certeza, era a tal anunciada operação tartaruga que os funcionários do metrô tencionavam fazer, esperou então despreocupada, e arrumando uma das meninas pra escola....
Assim, só pra saber se era mesmo culpa do metrô, o atrazo do marido, ligou a televisão, enquanto penteava o cabelo da menina...
Uma criança de mais ou menos cinco anos, acorda com um grito desesperado de uma mãe...
Ela tinha acabado de descobrir pelo jornal, que naquela manhã pesada de segunda, ela não precisaria fazer o café tão cedo, não precisaria fazer o café da manhã tão cedo, por muitas segundas-feiras.

Patricia de Oliveira Hakkak

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