A Estrela de Luiza

Luiza está vestida de branco, embora o convite para a formatura da turma de jornalismo da faculdade Newton Paiva, peça “traje passeio escuro”. Pés descalços, enquanto todas as representantes do sexo feminino presentes usem seus sapatos sociais, Luiza é a serenidade plena. Adormece suavemente em meio ao zumzum de convidados para a cerimônia. Luiza está aninhada nos braços quentes de um bonito jovem homem e por isso, não sente frio.

A música de irretocável repertório,vem da ótima orquestra e o coral afinado da Newton, composto, por alunos, ex-alunos, funcionários, dependentes, como anuncia a voz grave e clara da linda Flávia Leão, uma das responsáveis pelo cerimonial, também aluna da instituição. Estando bem perto dos mísicos, Luiza continua sua serena trajetória de sono.nada a faz acordar, embalada apenas pelo batimento cardíaco do peito masculino.

Luiza foi à faculdade todos os dias.Luiza é muito estrela, porque brilha de forma inequívoca, todos o percebem.Sua embalagem interna e externa é o amor de sua família.O tempo lhe rende graças.Graça, a avó, derramam-lhe tais bênçãos. As filhas dessa avó, são realmente a personificação das três graças mitológicas, Karina, Luciana e Viviane...Vendo-lhe o narizinho, o avô (ausente por estar febril, que pena!) acha uma graça, os tios se desmancham em açúcar, as priminhas sorriem sorrisos onde dentinhos de leite são trocados. Luiza deveria querer leite, há tempos se alimentou, mas dorme, asas escondidas sob o leve vestido branco que eu lhe trouxe do Nordeste. Grácil, leveza pura....

No telão, os rostos felizes e atentos dos formandos, de vez em quando enviando caretas e acenos para que seus entes queridos compartilhassem aquela emoção.A faculdade está em festa:seu fundador, Newton Paiva, estaria completando cem anos... O Magnífico Reitor rememora a trajetória paterna no âmbito da educação....

Do palco, a mãe Luciana olha sua menininha cheia de graça e sono... Olhares de mel e melado de cana. No convite, sua foto sorridente,em preto branco embora, revela os pedaços de céu no olhar de espera, de esperas tantas.Luciana Araújo Campos mostra a barriga já muito esticada, segurando-a, naquele carinho que só as grávidas sabem fazer.Dentro desse plenilúneo, Luiza, a estrela, brilha,esperando para ser presenteada à Luz, nessa terra já muito velha quando ela nasce.A mãe freqüentou as aulas, estudou, fez trabalhos, carregando a nova vida dentro de si... Um curso inteiro, uma faculdade também esperaram por Luiza, além da família amorosa, dos amigos. Apesar de a ter aguardado também, através da espera atenta de Karina, a escolhida de meu filho Gabriel, minha norinha linda, sua tia orgulhosa, eu ainda não conhecia Luciana. Como é linda, com um sorriso de barca, loura de expressivos olhos azuis e uma vontade muito forte a transparecer-lhe no rosto...!

Barcarola.... Canções de ninar embaladas a aguardar no peito, peitos túmidos a esperar a boquinha sôfrega, vai à frente, pois proferirá o juramento para os comunicadores de futuro próximo.Luiza dorme, cabelinhos claros, pezinhos descalços. A avó e as tias preocupam-se que possa estar sentindo frio.Apalpada, revela-se morna, o regaço do peito de seu pai a aquece. Nem o ar condicionado, nem as palmas e vibrações familiares dos formandos, nem a excelência da música próxima, acordam Luiza, a menina que dormita no algodão do sono. A mãe é muito aplaudida, a mãe é chamada para representar a turma onde, simbolicamente, representará sua turma enquanto o magnífico reitor faz um ritual c om um objeto de seda branca franjado (confesso que desconhecia esse cerimonial), empoderado os novos profissionais. O mercado os espera, o mercado e suas esgrimas espera a mãe da pequena Luiza, a manina que dorme. O pai vai trocar sua fralda, a nova está na bolsa que foi deixada nos bastidores. Ela volta dormindo, essa criança de pólen e serenidade absoluta.

Alguém do cerimonial se aproxima e murmura algo ao ouvido do pai. Levantam-se e saem, devidamente escoltados... Pergunto à sogra de meu filho o que acontece. Não sabe ao certo. Penso que foram levados para o local,onde foi anunciado que os formandos receberão cumprimentos, pois há muita alegria ruidosa no auditório do Teatro Topázio, no Minas centro, aqui em Belo Horizonte. Devem estar preocupados com tanto barulho para a bebezinha...

Então o magnífico reitor toma a palavra. Afirma que o protocolo das formaturas é sempre muito rígido, mas que agora será quebrado, pela primeira vez. Então anuncia Luiza , que freqüentou a faculdade in útero, para ser apresentada aos presentes. E ela vem, dormindo, numa cena lindaVestidinho branco, pezinhos calçados de amor, no regaço materno. Aparece no telão, com sua delicada beleza. Vira estrela, sob os aplausos...

No salão vermelho, destinado aos parabéns dos familiares, já acordada, resiste um pouco sem chorar. Muitos presentes querem tirar fotos perto dela:afinal, com três meses incompletos, quebra um cerimonial e participa de uma formatura. Os tios de suas mãe, os escritores gêmeos Leosino e Leonildo, se encantam. Um deles me confidencia que um poema já fervilha em sua mente, em casa irá escrevê-lo. Não sei bem qual dos dois me disse isso, pois são idênticos. Mas não há quem fique impassível perante o inusitado dessa jovem mãe formanda e sua meninazinha dourada....

Agora a fome de Luiza de colo se faz anunciar.Tiro-a do colo da mãe por um segundo, para o fotógrafo registrar essa noite especial.Então, ela chora.prá valer. Talvez seja a única fotografia em que aparecerá chorando. Devolvo-a rapidamente à mãe, para que possa ir mamar. E vamos todos embora, sob a luz dessa Estrela anunciada, Luiza, a nenê que foi à faculdade, que dorme em meio a mil barulhos, que parece... Com quem? Com ela mesma, especialíssima...

Essa, sem dúvida, foi a formatura mais emocionante à qual já assisti dia 14, Dia Internacional da Poesia, onde essa poesia concreta feita de fitas, seda, rosas e amor, dormitava como devem dormir os anjos)...

Nota: sei que hoje não é incomum universitárias grávidas freqüentarem as suas faculdades, felizmente. Mas essa era “a hora da estrela” dessa menininha mais-que-linda, Luiza com”z”, como o Luiz de seu pai. Afinal, o fundador do centro Universitário Newton Paiva estaria completando 10 anos.. .Uma festa sem tamanho...

Clevane Pessoa de Araújo Lopes
15/03/2005

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