ENTRANDO NO AR

Estou chegando perto de um acontecimento que, principalmente nos dias de hoje, é o sonho da maioria das pessoas - vou me aposentar em julho.
Quando penso em tudo o que aconteceu nestes quase trinta anos de trabalho me dá uma sensação de vitória, de meta cumprida. Deveria eu estar radiante de felicidade não deveria? Vou poder ficar em casa o tempo todo, fazer muitas coisas que antes não podia. Mas não estou me sentindo assim.
Deixo por lá amigos de convivência diária, uma rotina de vida que já funciona perfeitamente com hora de acordar, almoçar, voltar para casa, dormir.
E agora?
Como vou calcular meus dias, minhas horas, meus fins de semana, feriados?
Serão todos os dias iguais?
Sei que tenho que continuar ativa, mas, ainda não sei ao certo ao que me dedicar.
Quem sabe voltar para a escola? Fazer a faculdade de letras?
Imagino que o importante seja: não parar.
Quero passear um pouco antes. Ver meus pais, parentes e amigos.
Gostaria de participar como voluntária em alguma associação de proteção aos animais. Isso é certo. Quem sabe até começar uma?
É esquisito pensar que não voltarei mais ao meu local de trabalho todos os dias, que não verei os clientes de costume, que não chegarei dando bom dia a todos, um sorriso, ás vezes uma cara fechada, novidades, alegrias, tristezas, comemorações, despedidas, notícias em geral.
Passei quase toda minha vida profissional planejando este momento – conseguir me aposentar, agora cada dia que passa vai dando uma tristeza, uma sensação de estar perdendo algo, um nó na garganta.
De todos os anos que vivi, a maior parte foi trabalhando, mais que as horas que convivi com minha família, agora volto para o aconchego do meu lar.
Meus filhos já não precisam tanto de mim, meus pais já estão velhos e tão longe, creio que o tempo e a dedicação agora deverá ser voltada a mim.
Já estive de licença médica por um período prolongado mas sempre tive a certeza que um dia voltaria ao trabalho, a rotina diária que poderia recuperar a qualquer momento mas, aposentadoria?
Vou tentar esquecer de tudo isso e pensar apenas que a partir de agora poderei escrever mais e mais e mais, tudo o que sempre quis e nunca tive tempo.
Vou poder passear sem data de voltar.
Vou poder dormir e acordar quando o sono mandar.
Vou poder fazer uma horta no fundo do quintal.
Vou poder dar atenção aos meus cães e gatos, passar o dia conversando com eles.
Vou poder fazer uma comidinha diferente para os filhos de vez em quando.
Vou poder receber amigos em casa qualquer dia da semana.
Vou ouvir todos aqueles CDs que nunca tive tempo, assistir todos os filmes que ainda não vi.
Vou poder finalmente amarrar a minha rede na árvore nas tardes de verão.
Vou poder assistir filmes nas tardes de inverno, enrolada num cobertor e comendo pipocas.
Vou poder admirar as flores na primavera.
Vou poder recolher as folhas secas do outono.
Vou poder trocar receitas com a vizinha.
Vou conhecer os velhinhos do asilo que tem ao lado da minha casa.
Vou poder me sentar no banco da praça e ver as crianças brincarem.
Vou poder, quem sabe, aprender a pintar, tocar flauta ou violão, bordar, cantar.
Vou poder até, quem sabe, arrumar um namorado.
Vou recomeçar a vida que deixei quando era ainda quase uma criança.
Enfim, acho que começo a passar minha vida a limpo. Começarei a juntar os rascunhos todos e dar a eles um ar mais alegre, colorido, feliz.
Eu ia chamar esta crônica de SAINDO DO AR mas após terminar achei que o título mais adequado seria esse aqui: ENTRANDO NO AR.
Amigos: me aguardem.

Vera Vilela

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