Minha Velha Kodak

         Onde anda a minha Kodak, que ganhei num concurso das "balas seleções", quando colecionava figurinhas naquele álbum vistoso, em que a Ponte de São Francisco era a figurinha mais difícil, a mais procurada? E compra balas, e troca de figurinhas. E tinha o "jogo", em que a gente colocava várias figurinhas em cima da mesa, e batia com a palma da mão aberta, as que virassem na batida da mão, eram do ganhador. A velha Kodak eu a troquei por um par de chuteiras usadas, daquele de bico duro, quando meus pés já pediam um casco para chutar as bolas que corriam soltas pelos campos da Campininha, naquela quadra em que Goiânia tinha alma e a gente se encontrava em qualquer buteco de esquina. Gente, pára o tempo, segura esse bicho brabo, essa coisa indomável, que teima em me levar para além da horas esquecidas. Deixe-me recostar aqui neste poste de memória, deixe que eu acione a minha velha Kodak por essas ruas que vivem e renascem a cada dia diante desses olhos de menino que não quer crescer. Goiânia, há quanto tempo? Aqui, na minha casa do Setor Sul, vou vibrando no ar minha velha Kodak, buscando cenas, momentos de ontem, inesquecíveis na memória de quem já caminhou muito pelo chão do antigamente. A Campaninha, ou melhor a Chacrinha lá depois do Lago das Rosas, do Isolamento, com sua vida pachorrenta, silenciosa, envolvida nas "mãos-de-vacas" que corriam às soltas na "zona de Maria Branca". Aos domingos, as internas do Santa Clara desfilavam azule-branco pelas ruas, em procissão de suspiros e amor platônico, comandadas pelas freiras austeras, sisudas, atentas a qualquer momento ao olhar malicioso das meninas. E a gente ali, no Bazar do Ipanema, do Bosquinho, galã dos anos cinqüenta, de bigodinho e cabelo bezuntado de brilhantina. A Atlético de Antônio Alccioly, guloso como ele só, colecionando títulos, vitórias que saíam dos pés mágicos de João Pinto, Epitácio, Dimão, Preto e Tarzã, linha endiabrada que fuzilava as redes do gol carijó, depois que Preto, discípulo de mestre Ziza, vinha bailando lá de trás, fazendo cordão de embaixadas com sua ginga de malandro, deixando a galera em pademônio. Eu só sei que a motocicleta, naquela noite sem estrelas, descia enfezada a baixada do Lago das Rosas em direção a Campinas, Tarzã pilotando e Preto na garupa, não viram que "a pedra Drummond" já tecia a macumba de sua malvadeza. Os campineiros choravam muito, mas nada puderam fazer: os ídolos foram transferidos para o invicto time de São Pedro!
         Bate, Kodak, capta aquela cena do mocinho que pedia voto de porta em porta, e que queria ser verador, mostrar ao povo de Campinas que " se eu for eleito vou lutar para acabar com essa poeira, essa buraqueira, essa lama, essa anarquia administrativa. Vote em mim, dona, não vê que sou moço, sou campineiro, e quero trabalhar?". E assim, com um batalhão de jovens, verdadeira cruzada cívica, lá ia o moço de Campinas, de casa em casa, de porta em porta, e este cronista junto, pedindo voto, exercendo a democracia. E o moço, lá do Matador, lá do Toquinho, como diziam, foi eleito com mais de 1.500 votos, numa época em que bastavam apenas 200 votos para eleger-se Vereador.

E vieram as eleições, ele foi eleito.
Em tamanho júbilo delirava o povo
anta a façanha desse grande feito.
Trabalharei de fato, repetia animado,
mas bem antes de começar a vereança,
já lançava o seu a deputado!

         Foi assim que poeta-cronista, arredio, polêmico sempre, e tudo criticando, perfilou o político de ontem, o governador de hoje, que iniciou sua caminhada nos mutirões poeirentos de Campininha.
         Corta, que lá vem o Boca Larga, e com ele toda uma história, toda uma saga a que envolve o quadrilátero das avenidas Amazonas, Bahia, Catalão e Quintino Bocaiúva, pasto de suas andanças, suas aventuras. Mas isso é assunto para a próxima crônica.

José Mendonça Teles

Do livro: Crônicas da Campininha, Editora Kelps, 1996, GO.

« Voltar