A CIÊNCIA É PARA TODOS?
E assim chegamos a um mundo moderno e confortável, com diversas fontes de energia utilizáveis, onde motores, geradores, baterias, propulsores, catalisadores, ressonâncias magnéticas e memórias em discos rígidos causam-nos um soberbo orgulho por tudo que fizemos à luz da Ciência, incentivando-nos a novos desenvolvimentos tecnológicos. Marcos científicos, como as leis de Newton e a teoria de Einstein, somente serão esquecidos quando a própria humanidade deixar de existir. A discussão sobre o tema inevitavelmente traz à tona os contrastes que o homem cria em tudo que se mete. Os progressos científico e tecnológico que ora observamos convivem com as formas mais primitivas da existência humana, exigindo o questionamento sobre o verdadeiro conceito de evolução. Como é que pode haver tantas diferenças no padrão de vida das sociedades numa mesma época? Como é que encontramos países enviando naves para o espaço sideral ao mesmo tempo em que a maioria não consegue sequer retirar regularmente o alimento do chão para seus filhos?
Existiu um período na História em que a Igreja, subsidiada pelo Estado e pela sociedade, impedia, a qualquer custo, o desenvolvimento científico, porque o clero fazia crer que teorias e transformações inexplicáveis ao homem comum eram bruxarias. Os séculos passaram e hoje sabemos claramente o porquê de todas aquelas atitudes prepotentes: ciência é poder, que é tudo que o homem sempre quis, desde antes de começar a utilizar o raciocínio lógico. Por aí é que se explicam tantos contrastes num mesmo mundo, pois quem tem conhecimento tem poder, que continua sendo a necessidade mais proeminente do homem. Há de se convir que é necessária alguma forma de inteligência para a utilização de uma arma desse tipo, pela qual se administra o bem-estar da maioria ao tempo em que se extrai o que lhe sobrou do seu sopro de vida. Ainda deve demorar algum tempo até que o poder não seja uma obsessão humana. Mas, voltando ao tema, o fato é que, a partir do momento em que a Igreja viu-se obrigada a largar as rédeas, deslancharam-se as atividades científicas e o desenvolvimento tecnológico tornou-se exponencial, passando pela Revolução Industrial e chegando aos “chips” e à comunicação mundial instantânea e barata. Porém, com todas essas novidades vieram alguns efeitos colaterais, inclusive na forma de doenças, parecendo ser uma força oculta a avisar que, de uma forma ou de outra, o equilíbrio proposto pelo homem não é exatamente o que a natureza quer. Aliás, a espontaneidade com que se manifestam essas reações deixa evidente o cabo-de-guerra com o qual brinca o homem, sem perceber que se perder ou vencer será derrotado.
O que eu gostaria de deixar claro é que, apesar dos reflexos dos conhecimentos científicos e tecnológicos sobre as sociedades, todo o progresso que o ser humano vem obtendo continua demasiadamente elitista, pois ainda existe muita gente que não usufrui o real bem-estar que essas transformações estão provocando. O interessante é que, do jeito que a coisa acontece, a gente sempre imagina que para todo conforto haverá um desconforto, ou seja, só há o deleite porque existe alguém que foi “deletado”. O capitalismo incentiva isso tudo vorazmente, pois, quanto maior a rapidez com que os tecnólogos põem suas maravilhas à disposição da sociedade, mais as empresas lucrarão, visto que o consumismo vivido neste início de milênio é fruto acurado desse regime econômico, que torce também para que o descarte seja tão dinâmico quanto à produção.
Temos muitas palmas para bater para o progresso científico-tecnológico que hoje observamos no mundo, mas não devemos nos esquecer da crítica que deve ser feita a todos os malogros e judiações oferecidos a uma boa parte das gerações contemporâneas dessas novidades, que se forçam à conformação comendo, se possível, o “pão nosso de cada dia”.
Felipe Cerquize