Salvos pela ignorância

O polêmico escritor Diogo Mainardi, em diversos artigos publicados na revista Veja, mostra que no Brasil, a ignorância de pessoas semi-letradas é capaz de obter sucesso e garantir a prosperidade, já que a aquisição de conhecimentos e a leitura não contam para os apresentadores de TV, jogadores de futebol, políticos e outras brilhantes profissões "de ponta", sempre em alta neste país.

Isto lembrou-me do relato em "A vida das abelhas" de Maurice Maerterlinck, onde um pesquisador enclausurou uma abelha e uma mosca numa garrafa de boca comprida. A garrafa foi colocada sobre a janela, na divisa entre a luz de fora e a escuridão da casa. Enquanto a abelha debatia-se no fundo da garrafa, voltado para a luminosidade, a mosca, após chocar-se com o vidro, em convulsivos e desnorteados vôos, conseguiu sua liberdade. Poderia ser concluído que a abelha, organizada socialmente, disciplinada e trabalhadora era "menos inteligente" que a mosca, caso a experiência não se repetisse, mas, desta vez, com o gargalo voltado para a luminosidade. E assim o pesquisador o fez. A abelha saiu rapidamente sem bater no vidro, enquanto a mosca, em seu repetido vôo maluco só conseguiu sair depois de muita pancada no interior da garrafa. A abelha era mais sábia! Apesar disso, a mosca conseguiu sair nas duas ocasiões e a abelha, somente na segunda experiência. Moral da história: a ignorância salva!

Salvam-se os ignaros ganhando muito dinheiro naquelas profissões que não exigem sabedoria, como indicam os exemplos atuais. Isto explica porque Machado de Assis, por pura ironia, soltou os loucos e colocou no manicômio os sãos, os aparentemente "normais", em "O Alienista", tamanha contradição mundana.

Colombo não recebeu apoio e ajuda financeira do reino de Portugal porque seria incapaz de chegar às Índias. Os reis da Espanha, que nada entendiam de geo-cartografia, apoiaram Colombo. Por ignorância "descobriram" a América.

Eróstrato incendiou o templo de Diana em Éfeso no séc. IV aC - uma das sete maravilhas do mundo -, ganhou sua fama e fortuna por ignorância, sendo imortalizado num conto de Jean Paul Sartre. Outro famoso incêndio, que deixou Roma em chamas para culpar os cristãos, foi causado pela ignorância de Nero, o imperador que tentou proibir a luta entre gladiadores, verdadeira política do pão e circo. E o circo pegou fogo!

Jesus Cristo foi crucificado pela ignorância dos homens, e, por causa dela foram salvos. O padeiro Severino da Silva ficou famoso por ter passado no vestibular, do curso de Direito de uma faculdade particular. Severino era analfabeto.

Tomara que a garrafa do nosso destino esteja com a boca voltada para a luz, porque o vôo dos nossos pensamentos ignorantes pode até nos conduzir à saída da prisão física da vida, mas, como na Caverna de Platão, podemos ficar contentes com o mundinho das sombras e com a viseira nos olhos, sem nenhuma liberdade que o verdadeiro conhecimento nos dá, com muita humildade. Salve o mundo dos simples!

Leonardo Teixeira

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