As armadilhas do idioma
Andei falando de países distantes, galáxias distantes, épocas distantes. No texto que foi publicado, a revisão do jornal se enrolou com um pequeno erro de digitação que cometi e transformou o “planeta Naboo” do filme “Guerra nas Estrelas” na “planta Naboo”, o que não fazia o menor sentido. Mas essa briga entre colunista e revisor é uma batalha eterna, sem glória, onde nada se ganha e todo mundo, principalmente o leitor, sai perdendo.
Se você escreve algo e comete um erro, o revisor tenta consertar de acordo com o seu conhecimento do idioma e com o entendimento do assunto, porque às vezes não basta somente conhecer as regras da gramática e a grafia correta das palavras. Quer ver? Um dia desses, em outro jornal no qual escrevo, eu falava sobre comida e escrevi a frase “deliciei-me com os filhós de Dona Nilce”. Para quem não sabe, “filhó”, com acento agudo no “o”, é um doce típico da região do Seridó. O revisor, que nada sabia de doces ou de culinária regional, não contou conversa: tirou o acento agudo do “o” e os “filhós de Dona Nilce” se transformaram, num passe de mágica, nos “filhos de Dona Nilce”. E penso que a minha sorte nesse caso dos filhós é que eu não falei que estava comendo os tais doces, porque se assim o tivesse dito – ou escrito – teria sido inevitável a confusão armada com as esposas dos filhos da referida senhora.
Reconheço a dificuldade da função de revisor. Além de lidar com as traiçoeiras armadilhas do idioma, ele também tem que ter muito cuidado com as licenças poéticas que os escritores como eu, que não somos jornalistas, tomamos com a língua quando escrevemos. Além do mais, escrevo geralmente em linguagem coloquial, cometendo muitas das incorreções que acontecem quando conversamos entre amigos, sem nenhuma pretensão de fazer literatura. Faço isso com gosto e tranqüilidade, porque aprendi com o grande Manuel Bandeira que o povo é quem fala a língua certa do Brasil, enquanto nós, intelectuais, o que fazemos é “macaquear a sintaxe lusitana”.
Na Tribuna do Norte, de Natal, onde escrevo semanalmente há mais de sete anos, fiz um acordo com o revisor: ele não mexe nos meus textos e eu assumo a responsabilidade sobre qualquer bobagem que sair publicada. Já em A União de todos nós, para não dar trabalho ao meu amigo e editor Linaldo Guedes, prefiro deixar as coisas como estão e pedir ao revisor, seja quem for, que revise sem dó nem piedade, já que este é o seu ofício. E se as coisas ficarem incompreensíveis às vezes, é só o leitor me enviar um e-mail que eu esclareço tudo. O endereço é <clotilde@clotildetavares.com.br>.
Clotilde Tavares