TE-TI-TERE-TÃ-TIRERE
"Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além". Toda vez que penso nesta tirada do Leminski, me vem à mente um amigo músico, fã de carteirinha do Jorge Benson, me ensinando na prática seu método de composição. Ele coloca o violão gentilmente no meu colo e me diz, como se estivesse dizendo a coisa mais obvia do mundo: "Faz uma pergunta!". Eu, claro, não entendo o que ele está dizendo, faço cara de bundalele e fico olhando pro violão pra ver se dá samba. Meu amigo se toca que eu não sou ele e me ajuda na compreensão do método: "Faz uma frase musical no violão". Ah tá! Claro! Eu finalmente entendo o recado, mas não sei por onde começar. Quero dar o melhor de mim, tentar ser tão genial quanto ele seria, e quanto mais energia eu ponho na expectativa de ser ele, menos sou eu, menos agir eu consigo. "Faz qualquer coisa", ele diz, me salvando do estado de estátua em que eu mesmo me submeto. Qualquer coisa é fácil. Pego o violão e começo a fazer qualquer coisa: Te-ti-tere-tã-tirere... "Ótimo!" ele diz "Faz isto de novo". Eu repito: Te-ti-tere-tã-tirere. "Muito bem," ele diz "esta é a pergunta, agora dá uma resposta. Só podia ser conversa de louco! Mas como aprendi que não adianta nada discutir com gente louca, tratei de fazer no violão a tal resposta: Ti-tere-pãpã-pã-pããã. "Excelente!" ele exclamou "Agora toca pergunta e resposta juntos". Eu fui na viagem dele e toquei: Te-ti-tere-tã-tirere-ti-tere-pãpã-pã-pããã. "Isto mesmo," ele disse, "esta é a primeira frase da sua redação musical, agora imagine que a frase inteira é uma pergunta, qual é a resposta?". E assim seguiu esta conversa de maluco, regada a suco de açaí, e que resultou numa obra musical homônima. A musica eu não gravei. Nem registrei. Nem me lembro mais. Criei este exemplo do "te-ti-tere-tã-tirere", só pra ilustrar o texto, mas o método eu não esqueci nunca mais, uso sempre, com qualquer violão.
Marcelo Ferrari