A maioria das pessoas queixa-se do domingo por ser um dia cheio de tédio. Nesse dia, nada se faz quando se quer, ao contrário dos dias laborais, quando tudo se faz mesmo que não se queira. Quando falo em domingo, lembro logo da minha infância, período da vida em que, invariavelmente, nesse dia da semana, eu e meus três irmãos almoçávamos um delicioso frango com macarronada preparado pela minha mãe. Eu saía com meu pai, bem cedinho, para comprar alguns gêneros alimentícios, a fim de reabastecer a despensa, e ele aproveitava a viagem para comprar o sagrado frango, que era pesado vivo e levado para casa amarrado pelas pernas. O bicho ia cacarejando por todo o trajeto de volta para casa e, quando chegávamos, seu Elias pegava uma faca bem amolada e começava a depenar o pescoço do galináceo para depois cortá-lo abruptamente, sem dar tempo para que a ave se defendesse. Acostumei-me a ver aquilo sem ter dó. A ave ficava pulando sem cabeça pelo quintal, até que boa parte do sangue se esvaísse. Então, minha mãe a pegava e punha numa panela com água fervente, para depois começar a depená-la, sapecá-la e, em seguida, pôr no forno. Ao meio-dia, a mesa era posta e os seis sentávamos para almoçar, enquanto víamos um programa de auditório na televisão e trocávamos algumas palavras despretensiosas, do tipo que serve para agregar a família. Essa é a imagem mais forte que tenho da vida familiar na minha infância.
Por centenas de semanas, esse ritual repetiu-se aos domingos, mas o tempo é inexorável e, por mais arraigada que seja uma rotina, um dia, ela deixa de existir. Minhas duas irmãs casaram-se, minha mãe faleceu e eu cresci. Cresci e no meu primeiro emprego, onde fiquei por quatro anos, trabalhava de segunda a sábado e só me sobrava o velho e bom domingo, que era quando, estragado pelo maltrato da labuta, acordava tarde e ficava sem ânimo para fazer nada. Era um marasmo providencial, que via com muito bons olhos. Às vezes, nem o domingo de folga me era permitido e, por isto, valorizava imensamente cada um dos fins-de-semana em que ficava em casa sem fazer absolutamente nada. Depois desse emprego, outros vieram e aí passei a ter duas folgas semanais, o que me permitiu ter ânimo para fazer as coisas pendentes da minha vida privada. O sábado, como primeiro dia de descanso, parecia-me estranho no início, mas, depois, consegui compreendê-lo melhor e tentei tirar algum proveito disso.
O que fazer com as horas de um sábado? No início, quando meus filhos ainda eram pequenos, saía para um passeio no zoológico, no shopping ou num parque de diversões. Depois que cresceram, percebi que, na verdade, nunca havia planejado nada para o dia, além dos programas familiares com os quais me acostumei. Foi com o crescimento dos pimpolhos que os sábados passaram a ser expressivos para mim. Não por serem um dia cheio, mas por me sentir definitivamente no vácuo das coisas que não fiz. O sábado passou a ser o dia do afloramento das minhas frustrações e dos meus orgulhos. É nesse dia, também, que olho as coisas do cotidiano social com mais calma e valorizo pequenas atitudes de rotina, por menores que sejam. O grito do vendedor de laranjas, uma desculpa por um esbarrão, o garoto que distribui panfletos, a lerda senhora com as pernas arcadas, a criança chorando na fila do supermercado. Tudo merece atenção redobrada da minha parte, talvez porque, nos outros dias, não tenha tempo para dar a atenção devida às pequenas coisas do cotidiano, talvez pelo fato de, nesse dia, ter tempo suficiente para perceber a má distribuição da minha força vital entre as coisas que quis e as que faço.
O sábado é o que me restou para a conquista feliz de cidade, levando-se em conta que pouco a cidade tem a me oferecer no domingo e que, nos outros dias, pouco eu tenho a oferecer para ela. É o dia em que costumo ir ao cinema para notar que passei décadas sem dar a menor importância a uma sala de projeção. É o dia em que peço uma pizza pelo telefone e vejo como sou medíocre e conformado por me sentir realizado com isto. É o dia em que dou uma geral no carro e percebo que essa é uma valorização desregrada de um patrimônio que deveria tão somente me servir, mas para o qual insisto em me submeter, mesmo com pleno reconhecimento de tal fato. É o dia em que entro na casa lotérica, com a mesma esperança de trinta anos atrás, para fazer uma aposta que me deixe com a expectativa de não depender de mais ninguém. É o dia em que vou à farmácia para comprar o meu remédio de uso contínuo, o que me deixa com a certeza de que o que me resta é bem menos do que já tive a oportunidade de fazer. É o dia em que a euforia e a depressão batem concomitantemente na minha cabeça, como uma bola de bilboquê arremessada por um mau jogador.
Quando olho a poesia do Vinícius de Moraes, vejo o lado otimista do poeta em relação ao sábado e enxergo-me às avessas. Enquanto ele vê a esperança, eu vejo a saturação. Enquanto ele vê a inspiração, eu vejo a expiração. Provavelmente, o modo de ver dependa da vida pregressa de cada um. O Vinícius teve muito mais segundas, terças e quartas-feiras livres do que eu e, quem sabe, seus dias de tédio não estivessem nos dias de semana, quando tinha mais tempo para pensar? Pode ser também que a interpretação se modifique de acordo com a idade que tenhamos. É bem verdade que, até uns cinco anos atrás, os sábados me eram inexpressivos, mas, agora, são expressivos o suficiente para eu ter a certeza de que não me fazem bem. Quando o Vinícius escreveu os versos de “Dia de sábado”, estava com 39 anos. Eu já passei dessa idade há um bom tempo e não me lembro, em nenhum momento, de ter tido esse tipo euforia em relação ao fatídico dia.
Teoricamente, ainda tenho algumas centenas de sábado para viver. Pode ser que minha opinião mude, mas, neste momento, o recado do meu subconsciente para o meu consciente é claro: se não houver uma guinada na minha rotina, que seja suficiente para que outros dias da semana passem a ser aproveitados de forma diferente, é grande a possibilidade de que a minha visão crítica sobre esse dia da semana piore um pouco mais. E, a cada nova manhã, as lembranças de um outro tempo me virão à cabeça, fazendo com que eu sinta a falta dos amigos, dos filhos pequenos, da poesia, da juventude, das conquistas efêmeras e de tudo mais que um dia me trouxe a alegria e a esperança.