UM PAÍS DE FUTURO ("BESTSELLER")
Pensei em escrever um romance cujo tema fosse universal, que tivesse a fórmula perfeita para ganhar o mundo; consagrar meu nome; desafiar as instituições, seus poderes e poderosos; seduzir corações; acolher pensamentos e vender centenas de milhões de exemplares, tão rápido que causasse espanto e inveja até aos editores da Bíblia Sagrada e de todos os outros livros sagrados juntos.
Que os bibliófilos, atônitos, corressem a debruçar-se sobre suas poucas páginas, e a esmiuçassem, desmontassem, desmembrassem para, em vão, tentarem entender como foi possível alguém capturá-la e prendê-la para sempre em páginas de papel tão comum, incrédulos e pasmados por tanta beleza e concisão, como as fotos de um fotógrafo genial, sim, porque sua qualidade esplêndida não estaria assentada em minha prolixidade tacanha, mas, na eloqüência enxuta de minha imaginação inusitada.
Nesse romance dos sonhos, a maneira como eu lidaria com as palavras, conectando-as em minha narrativa arrebatadora, faria com que cada espírito que as lesse as interpretasse de forma única, individual e assim sendo, cada um teria a convicção de que foram integralmente escritas e compostas para si sem, no entanto, a vagueza das profecias fraudulentas.
Ora pena para cócegas, ora aço para dor, minhas linhas tocariam os nervos das emoções de todos, por mais submersos que estivessem na adiposidade da indiferença, ou nos ossos do rancor e, diante de uma mesma página os leitores ririam até quase suas barrigas estourarem e chorariam até que estivessem secos como o deserto.
Mas, desapontado, percebi que não sou capaz disso, porque só consigo falar das coisas que vi, que vivi, que senti; só das coisas que conheço e conheço bem de perto.
Tema universal? Não, eu não conseguiria abordar, nessa obra sonhada, universalidade alguma que merecesse grandes e profundas reflexões, ou, se não, o repúdio das massas pretendidas de leitores e críticos cheios de erudição que, apesar do eventual rancor, ou desprezo, ainda assim, a leriam, mesmo que por mera curiosidade desdenhosa, ou para terem a quem odiar, ou de quem escarnecer, por ter sido ela eternamente entronizada, quem sabe, por um Nobel.
É porque sou brasileiro e as únicas universalidades que estão próximas de mim são: o futebol, o melhor do planeta; a corrupção, maquiada de “jeitinho” e a criminalidade violenta, ambas bem permeadas em todas as camadas de nosso roto tecido social; um racismo patético, mas constrangedor e mal camuflado, contra essa bem sabida maioria de mestiços; um orgulho, não sei do quê; a desigualdade social atroz que nos vitima a todos; um conformismo cômodo e lobotomizante... e as bundas bem expostas de nossas mulheres.
Elcio Domingues