AUTOFAGIA
A humanidade orgulha-se de sua evolução: saímos das cavernas para as megalópolis, somos capazes de bisbilhotar o universo, nossa expectativa de vida aumentou. Caminhando, tropeçando, caindo, levantando, fizemos um longo percurso desde a noite dos tempos. Mas o orgulho atingiu nosso cérebro e criou nele uma bolha de onipotência imperdoável que nos fará recuar ao Big Bang. Voltaremos às cavernas ou as ultrapassaremos? Pelo visto estamos, aceleradamente, regressando ao abismo do NADA.
Ao longo dos milênios o homem considerou a natureza um vassalo a seu serviço e semeou ventos de abuso e desrespeito. Hoje, colhe tempestades. Sabe aquele ponto de exaustão quando se diz “Basta!?” Pois é, a natureza atingiu seu limite de tolerância. Não faltaram avisos a intervalos de cem, cinqüenta, quarenta, vinte anos. Pensamos que fosse brincadeira, mesmo porque, armamos arapucas tão perfeitas, que os acidentes naturais atingiam apenas os excluídos sociais que, claro, não somos nós. Hoje, os avisos vêm a galope, as catástrofes democratizaram-se. A humanidade ainda não se deu conta de que não há mais pobres e ricos, poderosos e anônimos: somos todos um, isto é, intersomos. A natureza, depois de milênios de abusos, de devastação, de envenenamento, cansou-se. E resolve o problema a seu modo: colisões subterrâneas, maremotos avassaladores, chuvas torrenciais, tempestades de neve, calor insuportável, incêndios, cidades alagadas, deslizamentos de terra. Ela é, hoje, o que fizemos dela. Se não gostamos das conseqüências, problema nosso.
Neste último século, a humanidade acabou com o pouco equilíbrio ecológico restante: queimou, saqueou, envenenou, repartiu, cortou, torceu, brincou com a natureza. As águas estão apodrecendo, os mares se revoltando, a terra degradada se movimentando. Somos campeões do lixo, da contaminação do solo, da devastação florestal e das matas ciliares. Somos sujos e amorais: temos o cérebro empedrado pela química letal que introduzimos na boca com as próprias mãos. Num círculo vicioso, a cada bocado de porcaria que ingerimos, menos neurônios temos. A humanidade pratica o autofagia, or-gu-lho-sa-men-te! Os poderosos, que sempre assistiram de camarote às reações que sua insanidade provocava, hoje, estão sendo alcançados por elas apesar de seu nome, posição e poder.
A repercussão das catástrofes naturais é decodificada de modos diferentes: nas pessoas compromissadas com a vida e com o próximo, é um alerta, um repensar de rotas e de filosofia de vida; nas demais, leva a uma total perda de expectativas, de valores, a um chafurdar, cada vez maior, nos atos de vandalismos contra o meio em que vivem. Então, afogam-se num círculo maior, mais rápido e voraz: doenças modernas, epidemias antigas que retornam, ações insanas, mortes, devastação. Esquecemos que somos parte da natureza, que somos faíscas divinas. E nos arvoramos em Deus. Esquecemos que somos peças pequeninas no grande projeto divino e que, pelas nossas escolhas, podemos contribuir para levá-lo adiante ou nos jogarmos, voluntariamente, no olho do furacão. Podemos ser estrelas ou meteoros; depende de nós. E, como bem disse José Hermógenes, "meteoros caem; estrelas, nunca".
Neiva Pavesi