O do Zé Estevão

Tenho momentos de vazio e saudade. Quem não os tem? Aí, saio como quem anda sem rumo, mas sei aonde ir e ver. Ver pessoas especiais. Ver amigos e surpreender amores secretos, e isso há que se ter arte para se fazer: porque amor, diziam os romanos, é como tosse, não há como disfarçar.

Andei aí, sorri boas-noites e me sentei prosista de falar e rir. Ouvi Valdemar a contar de coisas que confessei um não-saber comum: quem será Zé Estevo, de quem falei crônicas passadas, este ano mesmo? Ele me contou, justificando o bordão goiano, sul-goiano de longa data que repercute na memória do menino que eu era: “Tá no cu do zé -estevo!”.

Para os de longe - os do norte de Goiás e os de além-rios de Goiás Sul - explico que é um falar comum das gentes da minha terra: se alguém está mal, diz-se aqui que “tá no cu do Zé Estevo”, e Valdemar me explica o causo, sucedido em Jataí, lá pelo começo da quadra de 50, quer dizer que há mais de cinqüent'anos. E eram dois os irmãos Estevão: um Jerônimo, outro José. Jerônimo, um dia, apareceu de médium, pregando coisas e prometendo curas, distribuindo bênçãos e raizadas, para a alegria e a felicidade de um sei-lá-quantos de tristes.

A vida corria bem e nada havia que se questionar, que os que Jerônimo salvava nem precisavam, vai ver, se salvar de nada mesmo. Uma espinhela caída nem sempre é causa de dor; e um amor desfeito não mata ninguém, basta que um novo amor se anuncie e o mal de antes está curado. Foi então que Jerônimo entendeu de salvar o mano José - o que vem a ser esse mesmo, o Zé Estevo, no modo mais goiano de falar fácil, o que antecede o modo tacão de moços escribas nos baites da Internet.

Um punhado de ervas aromáticas cujos odores nem eram lá do agrado do possível doente, a infusão em água insuspeita, raizada curtida de véspera em álcool de fazenda (quase cachaça), e pronto! No dizer de Jerônimo, o mano Zé estava curado. Mas, há que se perguntar, curado de quê? Sabe-se lá! O Zé estava apenas magro, mas de nada se queixava. E como não era de contrariar o mano Jerônimo, deixou-se medicar.

Vai daí que, desde então, siô, a vida do Zé virou uma merda! Zé emagrecia ainda mais, apareceu com olheiras quase pretas, de tão roxas, e o corpo manchado de muitas pintas grandes. Fosse só isso, estava tudo quase bem: Zé Estevo se apanhou de uma caganeira que nada segurava. Por isso, então, e de imaginar o quanto sofria o anel terminal do tubo digestivo do pobre do Zé, o povo logo inventou de apelidar qualquer situação de aperto com a famosa frase: “No cu do Zé Estevo”.

Dei-me por feliz - não pelo suplício do esfíncter do diabo do Zé, mas pela explicação que me ofereceu o Valdemar. Pena que, ocupadíssimo com a missão de saborear aperitivos sofisticados, meu velho amigo Marcelinho Pão-e-Vinho, delegado de uma pequenina e pacata cidade do interior de Goiás, não tenha ouvido a história. Haverá ele, então, de saber dos fatos por estas linhas, que ele há de ler quando o correio entregar-lhe a cópia, já que Pão-e-Vinho, o delegado filósofo, não é de navegar nas ondas internáuticas.

Aproveitei um intervalo entre os estalares de língua do policial impoluto e lasquei a pergunta infalível: o que faria ele se em sua jurisdição acontecesse um prosaico mensalão ou um poético tráfico de recursos financeiros embalados em cuecas de assessores ou em malas de bispos. Marcelinho, meditabundo, não divagou nem titubeou, respondendo-me com um misterioso bordão encontrado em crônica de Mestre Rubem Fonseca dos tempos em que, calculo eu, os irmãos Estevão protagonizavam curas em Jataí e a República estremecia sob os costumes:

- Ai de ti, Brasília!

Luiz de Aquino Alves Neto (GO)

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