PRESENTE DE PAPEL
Os papéis de presente sempre constituíram um capítulo à parte entre as belezas do Natal. Há 40 anos, quando eu era bem menino, raramente dispúnhamos de papéis com efeitos metálicos brilhantes, tão comuns hoje. Além disso, eles tinham um custo financeiro proporcionalmente maior do que atualmente. E o preço alternava de forma significativa, de acordo com os efeitos especiais utilizados em sua fabricação.
Também, a variedade era bem menor. Os mais comuns eram foscos, tinham fundo branco e imagens natalinas estampadas. A opção imediata mais sofisticada desse modelo se encontrava no mesmo padrão, porém, com aparência acetinada. Dispunha-se ainda dos de fundo colorido, com diferentes motivos.
Não faltavam os que recorriam a enfeites abstratos, paródia dos alegres tecidos de verão, com bolinhas, flores, listras, entrelaçados. Claro, tudo muito colorido, como a dizer: "vejam, eu sou a expressão da felicidade".
Sem dúvida, havia os mais sóbrios, característicos das lojas masculinas. Em geral, de aspecto macio e lustroso, com uma ou duas cores, sem nenhum estampado, a não ser a logomarca da loja elegantemente impressa em algum ponto ou espalhada a intervalos regulares. Amiúde, tais símbolos se faziam com letras douradas ou prateadas.
A essa altura, o leitor atento me perguntará: "mas por que fala no passado? Tais papéis existem ainda hoje". Tem razão o aplicado leitor. Porém, nos dias em que vivemos é tal a profusão de papéis laminados, brilhantes, de tão exuberante variação temática, que os modelos até aqui descritos terminaram por conduzir-me ao passado, aos jogos da infância.
Recordo que minha mãe guardava com extrema precaução tais papéis. Tinham seu lugar especial no guarda-roupa e neles somente se tocava com muita prudência: "podem amassar". Sensíveis, sem dúvida, aqueles seres. E quando ganhava um presente, sendo bonito o papel que o revestia, nem precisávamos trocar um olhar. Eu já o abria com jeito e depois lhe entregava o precioso invólucro que ia enriquecer o nosso acervo. Tanto zelo fazia com que eu os olhasse com uma certa reverência. Seriam, por certo, muito valiosos a demandar semelhantes cuidados.
Por outro lado, se minha mãe era a guardiã do tesouro, cabia a meu pai o ofício de artesão. A ele, a função intransferível de preparar os pacotes. De fato, poucas pessoas vi capazes de tanta perícia na arte. Seu método tinha ares de solene ritual. Era visível seu contentamento. Os embrulhos eram simétricos e belos, sem qualquer desperdício. Também, não lhe satisfazia o elementar. Havia sempre uma dobra do verso em diagonal, um laçarote de fita ou de barbante colorido a enfeitar um ponto e, claro, os cartõezinhos "de, para", cujo preenchimento muitas vezes a mim delegado causava-me alegria e orgulho.
Passada a fase dos brinquedos, aprendi a adiar ao máximo o momento de abrir os presentes. Pouco antes da adolescência comecei a perceber que a mágica reside na beleza do papel e na arte do pacote. Uma vez aberto, por mais caro, por mais fino o objeto ali contido, desfaz-se imediatamente a fantasia. Subitamente, vê-se o objeto nu e cru. Tem-se a pesada matéria, desvestida do atributo que a tornava especial. Antes, um presente; depois, apenas mais um elemento para coleção. Com o passar do tempo, muitas vezes iremos utilizá-lo, sem sequer nos lembrarmos de que um dia aquilo foi muito mais que um simples CD, uma bolsa marrom, uma camisa xadrez: foi mistério, expectativa, deleite e encanto. Um dia, aquilo foi um presente, em traje de gala.
Ricardo Alfaya