LIVRO: UM GRANDE PRESENTE!

Ganhei meu primeiro livro num Natal! Eu tinha seis anos, trezentos e sessenta e três dias... Até hoje lembro do título: “Contos Maravilhosos”, uma coletânea de fábulas, repleta de dragões, fadas, feiticeiras, cavaleiros, reis e príncipes. Mas, além dos personagens exóticos, vilões traiçoeiros e cruéis, e guerreiros destemidos havia algo que, igualmente, me fascinava: as palavras!

“Ricamente ajaezado”, “canto mavioso”, “potestades”, “manto de urtigas silvestres”, “bodas reais” e muitas outras expressões despertaram minha curiosidade e a utilidade de um tradutor que consulto até hoje: o dicionário!

No ano seguinte ganhei: “Histórias da Mata Virgem” e, de repente, passei a gostar de ganhar livros, e de devorá-los sem discriminação.

Por volta dos dois anos, uma penitência transformou-se em benção: Inocente, resolvi imitar meus colegas numa de suas “artes” preferidas: apertar campainhas e sair correndo. Burrinho, fui fazer isso no apartamento embaixo do meu... Pior, repeti a travessura algumas vezes, até que um dia, ao chegar em casa, meu pai, sem maiores delongas, disse que o vizinho o havia procurado... Gelei! Pensei na bronca, mas ela não veio. Em vez disso, meu pai disse que eu deveria pedir desculpas a ele que, aliás, havia insistido para que eu o procurasse... Congelei! Pior que a bronca era a vergonha!

Lá fui eu, sem nenhum preparo para enfrentar esse tipo de dragão: assumir meus atos!

Toquei a campainha, com vontade de sair correndo, não por brincadeira, mas, por absoluto pavor! Mas o senso de responsabilidade já falava mais alto.

Quando a porta foi aberta, Dna. Neuza, a vizinha, atendeu, como se já soubesse quem era; mesmo assim ela perguntou. Quando expliquei, ela sorriu e chamou o marido, Seu Âmer... Ele veio com uma expressão tranqüila e convidou-me a entrar. Os dois apresentaram suas filhas, Herta e Helga, poucos mais novas que eu, e começamos a conversar. Pedi desculpas pela estripulia infantil e, como castigo, fui convidado a voltar sempre que quisesse. Os dois eram professores de escola pública e tinham uma bela biblioteca, pela qual me apaixonei imediatamente, principalmente pela Enciclopédia Disney. Foram várias visitas vespertinas, cujo principal divertimento era ler histórias para as filhas deles, com direito a lanche. Mais tarde, ele foi meu professor de inglês!

Meu pai, atento ao meu gosto, fez um pacto comigo: sempre que eu tirasse média superior a nove ele me daria um livro! O resultado foi: “O Príncipe e o Mendigo”, “Um Ianque na Corte do Rei Arthur”, “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias”, “O Raio Verde” (dá para perceber que eu virei fã de Jules Verne), “Quo Vadis”, “O Ladrão de Bagdá”...

Meu irmão mais velho começou a ter aulas de literatura... Então, fui apresentado à: “Olhai os Lírios do Campo” (Ah, Érico Veríssimo!), “A Moreninha”, “Dom Casmurro” (Fantástico Machado de Assis!), “Memórias de um Sargento de Milícias”...

O tempo passou e nós mudamos para uma casa. Minha mãe logo fez amizade com a vizinha da frente, Dna. Marly, esposa de um médico. Ao saber de minha paixão por livros, ela emprestou uma pilha deles, todos clássicos modernos. “Por quem os Sinos Dobram”, “Beau Geste”, “As Chaves do Reino”, “Como era Verde meu Vale”, “A Morada da Sexta Felicidade”... Eu já tinha visto todos os filmes, mas as “imagens” dos livros eram muito mais fascinantes!

Então, meu irmão do meio começou a trabalhar numa livraria... Quando ele avisava que ia haver uma “Feira do Livro”, meu pai me dava dez cruzeiros, e eu trazia a maior quantidade de livros que eu pudesse. Uma vez trouxe, numa batelada só: “A Verdade sobre a FEB”, “Vientiane”, “Limite de Segurança”, “Tudo Começou com Marx”, “O Homem que Sonhou com a Copa do Mundo”...

Comecei a trabalhar, além de estudar, e, num momento de tristeza, comecei a ler a Bíblia, não consegui parar enquanto não terminei! Logo em seguida li: Dumas, Victor Hugo, Kafka, Sheldon, West, Sabino, Clarke, Milton...

Hoje, meu filho gasta parte de sua mesada com livros, além dos que ganha, que não são poucos.

Outro dia, por conta de um amável convite, para proferir uma palestra sobre o ato de escrever, fiz uma revisão dessa história, e do processo de aprendizagem da leitura: primeiro vêm os livros só com figuras; depois os com grandes figuras e pequenos textos; então vêm os com figuras e textos equilibrados em espaço; na seqüência várias páginas de textos entremeadas por algumas, poucas, páginas com resumos de imagens; até que, de repente, a presença de imagens passou a ser irrelevante, diante da capacidade de imaginar os cenários e situações descritos pelo autor!

Quem lê pensa melhor, argumenta melhor, aprende melhor, escreve melhor e preenche seu tempo melhor. É capaz de viajar pelo mundo, real ou da fantasia; por si próprio, pela história ou pelo universo, sem sair do lugar, de primeira classe! E esse “passaporte” sempre estará a sua disposição, na prateleira ou na cabeceira da cama.

Há presentes que saem de moda, evaporam ou ficam gastos com o tempo... Um livro não! Pelo contrário, ele sempre será um presente fantástico, para quem ainda não o leu!

Livro: Um grande presente!

Adilson Luiz Gonçalves

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