TESTOSTERONA APEAL

Deixe-me contar o que aconteceu com você. Você era jovem, cheio de testosterona e nobres ideais, tais como liberdade, justiça, paz e amor. Contudo, pra efetivar seu nobre ideal de amor, você descobriu que precisava arranjar um carro que o levasse até o motel, ou então, que fosse o próprio motel. Só que carros não crescem em árvores, jeito mangas, então, você descobriu que precisava de dinheiro, e como dinheiro também não cresce em árvores, você descobriu que precisava arranjar um emprego que lhe arranjasse dinheiro. Então, de repente, você deixou de ler os quadrinhos do jornal para ler o editorial. Trocou a disputa com seus amigos de quem deixava o cabelo crescer mais por disputas de cargos com seus colegas de trabalho. De repente, você fez pano de prato com aquela sua camisa do Che Guevara e começou a dormir de pijamas. Começou a repetir pros seus filhos as mesmas frases feitas que odiava ouvir de seus pais. Parou de achar que vale a pena mudar o mundo. Que muitos já tentaram, e que o mundo não está nem ai, as pessoas não estão nem ai, e assim você decidiu que também não está nem ai. De repente, você parou de acreditar em Saci Perere e passou a acreditar na previsão do tempo. Deixou de confiar na sua intuição e passou a investir nos fundos de renda fixa. Pregou o Jesus aventureiro do catecismo na cruz. De repente, você trocou o colírio pelos óculos escuros, as gírias por termos de direito penal e a sinceridade pelo uísque. De repente, você passou a cultuar a estrutura do átomo, os livros de capa dura, as revistas de mulher pelada (que você chamava de nu artístico), e passou a achar idiota todos aqueles nobres ideais dos tempos de testosterona apeal. Foi mais ou menos assim que tudo aconteceu. O resto da história eu deixo pra você mesmo contar, se ainda der tempo.

Marcelo Ferrari

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