A CAOLHA
Maria Francisca de Campos Limeira Silva Oliveira da Silva. Era o nome. Conhecida como Chica, odiava o apelido e repetia o nome completo, pausadamente, para que soubessem que ela não era apenas uma Chica. Ela era Maria Francisca de Campos Limeira Silva Oliveira da Silva.
Vivia lá pras bandas de Minas Gerais, onde o trem apitava todas as manhãs algum caminho de se ir para longe.
Não era bonita nem feia. Nem alta nem baixa. Nem gorda nem magra. Era mulher como tantas e tantas. Apenas um detalhe a diferenciava. Era caolha.
Quando menina, brincava de subir nas mangueiras para se lambuzar de tanta manga.
Um dia de sol sem nuvens. Comeu tanta manga, mas tanta manga, que não se agüentou e acabou por cochilar num galho alto.
Sonhou que voava. Acordou na cama do posto de saúde. Havia caído da árvore. Algum galho furou o olho esquerdo. Impossível recuperar.
Passou a ser Chica, a caolha.
Cresceu como criança normal. Apenas não tinha um olho. Era um algo estranho de se olhar. Aquele buraco sem vida, marcando o rosto da menina.
O tempo passou. As amigas namoravam, noivavam, casavam. Ela estava sozinha. Não havia, na cidade, rapaz que quisesse namorá-la. Havia, até, aqueles que gostavam dela, sim, mas não conseguiam imaginar um beijo na caolha.
Assim, Chica passava o tempo escrevendo cartas. Tantas cartas escritas para um rapaz que morava distante. Viu o anúncio do moço nos classificados de alguma revista: “procura-se moça para relacionamento sério”.
Chica ficou semanas olhando para o anúncio, até que tomou coragem e mandou a primeira carta. A resposta não demorou.
Chica escrevia diariamente e recebia uma carta do moço, todos os dias.
Apaixonou-se pelas palavras do rapaz. Parecia que ele também estava enamorado dela. As cartas aumentavam de tamanho a cada dia. Folhas e folhas escritas com palavras doces.
Não se sabe porque, nenhum dos dois enviou fotos. Provavelmente porque já não fosse necessário. Estava claro que eram almas gêmeas. Amavam-se em todas as letras. Namoraram por dois anos, diariamente nas cartas. Noivaram por telegrama e marcaram o casamento.
Chica estava linda, no vestido branco, rendado, feito à mão, por ela. Brocardos, miçangas, lantejoulas. Uma beleza de vestido. O véu cobria o rosto.
Só no noivado é que chica se apercebeu que não havia contado ao noivo sobre sua deficiência. Agora já não podia falar. Não sabia como. Teve medo de perder o amor de sua vida.
Foi para igreja, acompanhada das crianças vizinhas e familiares. Duas senhoras levavam a cauda do vestido. Longuíssima.
Chica estava nervosa. Emocionada. Segurava as lágrimas no olho que enxergava e caminhava em direção à igreja.
Entrou na igreja ao som da ave Maria cantada por alguma soprano do coro. Só via as costas do noivo. Era alto. Cabelos pretos um pouco enrolados. Não era gordo nem magro. Sorriu a visão das costas do seu grande amor e caminhou mais confiante.
Parou ao lado do noivo.
Por um momento tudo paralisou. Apenas os rostos dos dois viraram. Olharam-se.
Ela caolha do olho esquerdo. Ele caolho do olho direito.
Eram almas gêmeas. Completavam-se. Sorriram e foram felizes para sempre.
Paula Cury