Um caseiro empreendedor
Não sei se por vingança, ou desgosto, hoje amanheci com vontade de tornar pública a genialidade do meu caseiro.
Talvez, a primeira hipótese seja a verdadeira, uma vez que ele, dormindo tranqüilamente, não ouviu o alvoroço dos cachorros, quando os ladrões entraram na chácara e levaram-me todos os aparelhos que proporcionavam o lazer e a comodidade familiar.
Chegado o Natal, resolvemos presenteá-lo com uma televisão colorida e grande, para fazer-lhe as noites maiores e mais agradáveis.
E tudo o que conseguimos foi o aborrecimento de um funcionário que logo ao amanhecer postava-se diante dela, enquanto a tiririca pululava sobre o gramado infeliz.
Se apenas isso não bastasse, num dos fins de semana, tão logo desci do carro, lá veio ele correndo a gabar-se da grande façanha:
— Troquei a televisão!
Virei-me surpresa, mas confesso que senti um certo alívio:
— Trocou?
— Negocião! Dei a televisão e mais nada e peguei um par de "faror de mia!”
— Farol de milha? —balbuciei perplexa — Você nem sequer tem bicicleta!
— É, mas não podia perder a ocasião. O " faror" é dos " bão"! " Quaji " novo!
Não disse eu mais nada e entrei em casa, nem sei se com pena ou raiva do pobre diabo.
No ano seguinte, nascia-lhe a filha e ele andava alucinado por uma máquina fotográfica.
Resolvi dar-lhe a mãozinha! Procurei uma que fosse de revelação instantânea.
Com isso poderia garantir-lhe a satisfação imediata, apesar de saber o filme bem mais caro do que os comuns, no entanto, como eu mesma os compraria...
Quando da entrega do presente, fiquei feliz com a alegria do homem.
Valeu a pena! – constatei, imediatamente·
Expliquei-lhe direitinho, com muita paciência, como deveria usá-la e ele saiu eufórico para mostrar o presente à mulher.
No final da tarde, começando a escurecer, Juvenal — é o homem — desceu até minha casa já com as fotos às mãos.
Pensei avistar a família ali retratada, ou, pelo menos em várias poses, a caçula e tudo o que vi: cadeira, mesa, chaleira, porta fechada.
Ainda tentei olhá-las sob diferentes ângulos para, quem sabe, descobrir algum talento adormecido, ou reconhecer do homem o desejo inconsciente de ver algo além do nada... Mas, nada... Só o que vi mesmo: mesa, cadeira, chaleira e porta que se aberta, ainda teria eu a oportunidade de divagar, definindo-a como uma forma de ampliar o horizonte.
Passada a surpresa, meio sem graça, devolvi-lhe o produto da inabilidade, recomendando:
— Da próxima vez, fotografe a família.. .— com isso pensei estar encerrando o caso máquina. Engano!
Num outro final de semana, ao chegar, lá vem ele de novo, rapidamente:
— Não tenho mais a máquina!
Ainda dentro do carro, perguntei-lhe:
— O que foi feito dela?
— Troquei! Negocião!
Desci desanimada:
— Desta vez, qual foi?
Sem responder, saiu correndo e voltou ofegante, com um controle remoto à mão.
Suspirei aliviada! Para eles, melhor uma televisão do que a máquina para fotografar portas e pés de mesa, ainda que prejudicadas as tarefas diárias.
Examinei o controle e ao devolver, perguntei-lhe:
— É boa a televisão?
— Não sei! Só tenho o controle!
— Como? E a televisão? — perguntei-lhe visivelmente irritada.
— Acha que “dava” pra trocar a máquina de retrato por uma televisão e mais um controle novinho feito "esse"?
Maria da Graça Almeida