ANZOL DE COBRE

Entrei no ônibus e sentei-me perto de um senhor, muito confortavelmente em pé no corredor, com seus cacarecos amontoados bem no caminho, conversando com uma senhora que, com certeza, não morava na cidade. O assunto? Pescaria. Gosto de pescar, disse ela. Eu também, retrucou ele. E o diálogo se estabeleceu. No início, achei que falavam do Deque do Pescador, mas logo percebi meu engano. Onde se pesca bem, aqui em Santos? Na Pedra Branca, na Ponta da Praia. Pega muito peixe? Xi, dona, pega de tudo: sardinha, camarão, merlusa, tainha, robalo, atum... Pacu?!  Pega! Mas é peixe de água doce. Ele nem pestanejou: então não pega. E continuou a conversa. Dona, pesco tudo com anzol de cobre. Só anzol de cobre. Outro não serve. Nunca ouvi falar desse anzol e olha que costumo pescar em Mato Grosso!  Mas na Pedra Branca tem que ser anzol de cobre! Não serve outro? Não, só anzol de cobre. Que estranho! E qual isca o senhor usa? Com anzol de cobre não precisa isca. Nem camarõezinhos? Nem isso, só o anzol de cobre. Onde fica esse lugar? A Pedra Branca? É. Na Ponta da Praia, perto do ferry-boat mas é preciso usar anzol de cobre. E já leva tudo limpinho pra casa. Mas eu mesma gosto de limpar os peixes. Usando anzol de cobre não precisa limpar. Tem um tanque onde se limpa os peixes? Tem e leva tudo limpo, basta usar anzol de cobre. Por que tem que ser anzol de cobre? Pra economizar isca. Eu uso iscas especiais... Não precisa de isca, dona, só de anzol de cobre. Mas, senhor, sou boa pescadora, tenho prática nisso e nunca ouvi falar de anzol de cobre. Pois é, na Pedra Branca, na Ponta da Praia, só se usa anzol de cobre. Nunca ouvi falar!  E olhe, dona, com anzol de cobre se apanha lagosta, camarão graúdo, polvo, lula, cação, bagre, cascudo... Mas eu tenho medo de usar anzol diferente. Que medo, que nada! Disse o nosso presidente que se tivesse medo não teria saído da barriga da mãe dele. Sem medo, dona, é só usar anzol de cobre.

O ônibus corria. O papo, meio maluco, era muito interessante. De onde estava eu via a expressão espantada da passageira que não entendia como, sendo pescadora, não conhecia o tal anzol de cobre. Ele se divertia enquanto ela, perplexa, não conseguia atinar como seria esse anzol. Uma das passageiras não se conteve e entrou na conversa. É pra você comprar o peixe, mulher! Comprar? É um pesque e pague?!  Não! Tem o mercado do peixe na Ponta da Praia. Onde?! Na Rua do Peixe, perto do ferry-boat. Ele interveio. Lá a senhora usa o anzol de cobre. Ela virou-se para a outra. Viu? Ele está falando que vou precisar do anzol de cobre. Claro que vai! explodiu a senhora, com voz alterada, já impaciente. É o dinheiro pra você comprar o peixe que quiser! A pescadora não conseguia entender: Mas...

O ônibus parou. Desci. Provavelmente, ele divertiu-se muito até o ferry-boat. Essa conversa de pescador, juro, eu não conhecia.

Neiva Pavesi

« Voltar