Estrada, a melhor viagem...
Muitas pessoas adoram viajar para conhecer novos lugares, costumes, pessoas, enfim, para chegar a algum destino e explora-lo. Eu, desde pequenina, apesar de gostar do chegar e do explorar, encantava-me muito mais com o trajeto, o ir pela estrada, aquela sensação de liberdade, de conquista de um espaço, melhor ainda se for desconhecido, se for percorrido pela primeira vez. E, quando comecei a dirigir então, a sensação tornou-se indescritível. Claro que é ótimo e rápido viajar de avião, prático e até econômico usar um ônibus, mas nada se compara a sensação de estar num carro, ao volante, sentir a velocidade aumentar, dependendo unicamente de quem dirige, tentando controlar para não passar de cento e quarenta por hora, que é a velocidade ideal, menos não tem graça e mais do que isso, faz o carro trepidar, a menos que tenhamos nas mãos um autêntico fórmula um. E, nós, cidadãos comuns, geralmente não o temos. Claro que dirigir a cento e quarenta provoca multas, mas a sensação é incrível...
Pois bem, depois dessa introdução, devo dizer o que me levou a escrever este artigo; tenho viajado muito para palestras e também por estar procurando uma nova moradia. Então aproveito as viagens tanto de negócios como de lazer para também visitar loteamentos e lançamentos imobiliários. Foi por isso que, mesmo esgotada por muitas viagens consecutivas, decidi viajar novamente neste recente feriado, pensei que poderia ver muitos empreendimentos e ainda terminaria a noite numa festa, onde encontraria amigos numa cidade do interior paulista. Isso foi o que programei, mas nem sempre o que programamos ocorre exatamente como o previsto.
Pela manhã, depois de uma boa aula com a nova professora de flamenco, sai da academia e fui diretamente para a estrada, primeiro erro, não me alimentei, mas também, não estava com fome, então, achei que estava tudo bem. Talvez, pelo fato de não viajar para o interior há muito tempo, eu tenha esquecido da real distância entre as cidades, por isso, estranhei que demorasse tanto a chegar nas primeiras paradas, apesar dos meus cento e quarenta por hora... Fui parando, visitando loteamentos, na maioria terrenos, as raras casas construidas são muito grandes, projetadas para famílias, nunca para pessoas sozinhas. Aliás, ai está mais um argumento para uma crônica, não existem empreendimentos dirigidos aos "singles" e, quando existem, têm o mesmo preço de um imóvel padrão familiar, mas isso é assunto para outro texto.
Bem, lá pela terceira cidade visitada, a fome bateu. Pensei em encontrar um shopping e tudo estaria resolvido, mas enganei-me. Depois de rodar bastante, consegui encontrar o shopping, mas tive que contornar o quarteirão por duas vezes para encontrar a entrada do estacionamento. Ao entrar, notei que tinha poucas vagas, na verdade, umas trinta ou pouco mais e estavam todas ocupadas, contornei o estacionamento e subi ao piso superior na esperança de encontrar vagas, mas encontrei foi a saída para a rua. Atrás do meu carro, buzinaram insistentemente, olhei e vi um homem gesticulando nervosamente, anunciando o quanto minha curta parada estava atrapalhando tão ocupado cidadão daquela cidade e não tive escolha a não ser sair do shopping e ir procurar outro local para um almoço. Devo lembrar a grande gentileza do funcionário do shopping que correu em meu auxílio e me ensinou por onde ir para encontrar um restaurante ou a estrada novamente, o que viesse primeiro.
Rodei um pouco e vi uma faixa enorme dizendo que serviam feijoada aos sábados e domingos... Oba, vou comer uma suculenta feijoada e... Ao pedir informações, me disseram que a feijoada era servida somente para os sócios do clube... Mas que clube? Nem tinha nenhuma placa e, se era somente para sócios, deveriam distribuir uma circular e não colocar uma faixa numa esquina movimentada. O clube, por sinal, ficava a uns quilômetros da faixa. Mas, com tanta fome, nem questionei isso, entrei logo no restaurante que encontrei. Tinha um estilo sofisticado e pensei que estava com tanta fome que não queria seguir regras de etiqueta, queria só comer muito, mas ao perceber que os frequentadores não estavam nem ai com as regras (em pouco tempo, uma criança derrubou metade do seu alimento no chão, um homem derrubou uma bandeja, um garotinho, provavelmente hiperativo, corria pelas mesas atrapalhando a todos, enquanto os pais, alheios ao comportamento do filho, conversavam com amigos e outros incidentes ocorridos), vi que ninguém se importaria com o meu modo de me portar e pude comer tranquilamente. Devo lembrar que, neste restaurante, não cobram taxa de serviço, não é otimo?
Segui viagem por muitas outras cidades, pessoas muito atenciosas, lugares tão acolhedores que nem vi o tempo passar. Quando percebi já estava anoitecendo, eu já havia dirigido oitocentos quilômetros, sentia frio e estava exausta. Notei que ainda faltavam uns cem quilômetros para chegar ao local da festa e pensei que não aguentaria dirigir até lá. Por mais que eu ame dirigir, não daria. Pensei em parar, descansar um pouco e, depois, seguir viagem, mesmo que me atrasasse muito para a festa.
Parei num posto de gasolina na entrada da cidade mais próxima que encontrei e perguntei aos frentistas que cidade era aquela, eu já nem sabia bem onde estava. Rindo, um deles disse que " por enquanto é"... e disse o nome. Perguntei como encontrar um hotel, ensinaram-me de forma tão simples, no segundo farol, contornar o shopping e já veria o hotel. Um outro frentista correu até meu carro e disse se a senhora do carro ao lado poderia me seguir. Ela também procurava um hotel e poderíamos encontra-lo juntas. Eu disse que tudo bem, mas no trajeto tanto eu quanto a mulher que me seguia ficamos apreensivas, eu pensava que era muita coincidência alguém surgir do nada procurando o mesmo que eu e ela deveria estar pensando " se eu seguir essa louca, para onde ela poderá me levar?"
Pensando assim, avistei um loteamento e fiz sinal de que pararia para ve-lo, ela acenou e seguiu seu caminho. Acho que enquanto parei para ver o loteamento, os faróis mudaram de lugar por que, quando procurei o segundo farol, notei que não havia nem o primeiro, descrito pelo frentista. Sai rodando e procurando faróis, mas não havia shopping algum, nem placas que sinalizassem os caminhos. Não demorei muito para me perder e fui dirigindo lentamente, procurando por alguma placa de rua, hotel ou qualquer coisa que me desse uma direção. Ao parar em frente a um bar para pedir informação, um carro me ultrapassou e uma mulher meio desgrenhada gritou: " - Ô, mas você é burra, hein?". Acho que ela se referiu ao fato de eu estar dirigindo lentamente. Se ela soubesse ler, veria que a placa do meu carro dizia "São Paulo" e que eu era uma turista perdida na cidade dela. Mas não me importei com isso, na verdade pensei que os turistas talvez sejam mesmo burros por deixarem o conforto de seus lares para gastar seu dinheiro em locais muitas vezes sem nenhuma infra estrutura e com alguns habitantes tão antipáticos...
A simpatia do dono do bar neutralizou a estupidez da "transeunte" e ele, todo prestativo, ensinou-me a chegar no hotel mas, claro, tem sempre uma rotatória que acaba desviando qualquer boa informação e me vi perdida novamente. Escuro, frio, fome, sono... Mais umas informações e encontrei, finalmente, um hotel, mas não havia vagas. Outro próximo também não tinha vaga e, quando o funcionário do hotel começou a ensinar o trajeto que eu teria que fazer para encontrar um terceiro hotel que,talvez, tivesse vaga, eu apenas perguntei:
" - Se eu seguir por esta avenida, encontrarei alguma saída para São Paulo?"
" - Mas a senhora não está indo para uma festa na cidade vizinha? "
" - Neste momento, tudo o que quero é ir para minha casa, dormir..."
Pensei que, se eu já havia dirigido por oitocentos quilômetros, poderia tranquilamente, dirigir mais trezentos e chegar na minha casa. Ao pegar novamente a estrada, uma força, uma energia gostosa apoderou-se de mim. Eu já não sentia cansaço, nem sono, a velocidade e a atenção redobrada por dirigir no escuro fizeram-me esquecer o frio. Novamente a cento e quarenta por hora, tudo parece melhor. E penso que, por mais excitante que seja chegar e explorar lugares, a melhor viagem mesmo, está na estrada, o melhor aconchego pode ser encontrado no meu carro que toca as músicas que eu quero, acelera e para ao meu menor comando e que merece ser muito bem tratado. Vou leva-lo a um bom banho e comprar-lhe algum acessório em agradecimento por mais esta aventura que viveu comigo... E o melhor lugar do mundo para dormir continua sendo minha cama, no meu quarto dentro da casa onde eu moro...
Levando-se em conta que apenas duas pessoas foram muito desagradáveis comigo nesta viagem, devo dizer que os moradores do interior paulista continuam sendo muito amáveis e só tenho a agradecer-lhes. Quanto ao nervosinho do shopping e a desgrenhada do carro, só posso dizer que reflitam bem, pois qualquer dia poderão ser turistas em cidades grandes como São Paulo e por aqui tudo se amplifica; a hospitalidade e a hostilidade. Podem encontrar por aqui pessoas tão estúpidas quanto eles que, certamente, os farão desistir da viagem e voltar rapidinho para suas cidades...
Para quem não gosta de enfrentar o desconhecido como eu, sugiro que contrate um guia de turismo quando resolver sair em viagem. Informações sobre turismo em geral podem ser vistas em matérias interessantes no meu site www.loudeolivier.com.br
Lou de Olivier