A visita do candidato
A relação entre candidato e eleitor nunca foi de tanta desconfiança e reserva. Isso é o resultado de décadas de um relacionamento que quase sempre desaguava na frustração. O candidato prometia e depois de eleito era acometido de uma espécie de amnésia, não lembrando do que havia dito na campanha. Na minha época de criança — há pelo menos umas três décadas — eles diziam em seus discursos: “Eu prometo...!” Era a famigerada promessa em ação. De tanto que se prometeu ao longo de décadas e se deixou de cumprir, ela caiu em descrédito. E hoje se algum candidato desavisado cair na besteira de falar em promessa, é derrota certa. Tiveram que reciclar o discurso: chamam-na agora de proposta e compromisso.
Mesmo isso é incapaz de ludibriar o eleitor, ele está mais ladino, aprendendo com o tempo a ser esperto como os próprios candidatos.
Um amigo meu ilustra bem esse exemplo. Assim como os candidatos, que no afã de serem eleitos pintam o mundo com belas cores e propõem soluções que mais parecem mágica para problemas que sobrevivem depois aos seus mandatos, o Alípio — fingindo acreditar em tudo isso — nunca desagrada qualquer um deles: assume compromisso de voto com todos.
E foi nessa de contentar a gregos e troianos, de acender uma vela a Deus e outra ao Diabo, que ele pagou um tremendo mico num momento de bobeira.
Ele recebeu em casa a visita de um candidato à Assembléia Legislativa, conhecido seu, mas sem muita intimidade. Disse-me depois que era já o oitavo ou nono que o visitava em poucos dias. Até então todos haviam saído de lá contentes. O postulante chegou trazido por um amigo comum. Alípio recebeu-o de braços abertos. O candidato era homem do partido do presidente e, portanto, com as costas quentes. Mais um que deveria ser agradado. Comendo churrasquinho e bebendo cerveja — era um domingo —, o papo evoluía sobre cascas de ovos: o candidato sem dizer claramente o seu propósito ali e o Alípio, de sobreaviso, esperando que ele se revelasse, afinal — estava na cara — não era apenas uma visita a um amigo, pois o candidato nunca fora a sua casa.
Lá pelas tantas, o candidato investiu: “Pois é, Alípio, conto com o seu apoio em mais essa empreitada”. Para agradar, o Alípio foi mais longe: “Não somente comigo, conte também com a minha mulher, o meu pai, e a minha filha que vai votar pela primeira vez”. Os olhos do candidato faiscaram. Estava mesmo sendo sincero o Alípio, podia confiar nele? Com um sorriso escancarado que tanto podia expressar convicção como desconfiança, ele agradeceu: “Que bom, amigo velho!”
Alípio quis ir além para demonstrar a veracidade de suas palavras. Não queria que o outro saísse de sua casa com uma ponta de dúvida. Foi aí que escorregou, por culpa da cerveja. Ele olhou para o filho de dez anos e deu a ordem: “Pega lá na despensa a bandeira do partido do doutor, para ele ver como estamos mesmo com ele”. O menino, que já estava treinado na missão e fazia isso pela oitava ou nona vez, saiu como uma bala e entrou no quartinho contíguo à varanda no fundo da casa onde comiam o churrasco. Mas o Alípio esquecera de dizer ao filho o nome do partido. “Não precisa tudo isso, eu sei que posso contar com todos vocês”, dizia o candidato, que no fundo queria a comprovação. Alípio sorria enquanto aguardava o filho com a bandeira; seria o oitavo ou nono xeque-mate em poucos dias. Mas o menino estava enrolado: qual era mesmo o partido? De onde estava, resolveu perguntar: “Qual a bandeira, papai?” Alípio, por culpa da cerveja em excesso, não refletiu muito: “Ora bolas! É essa do PT que está aí enrolada entre a do PFL e a do PSDB. O candidato fulminou-o com um olhar de descrédito. Mas era tarde. Enquanto o churrasco queimava na chapa, Alípio ainda tentou uma desculpa, que só agravou a situação: “Corinthians ou Flamengo, deputado? Tenho também todas as bandeiras dos grandes clubes do Brasil”.
jjLeandro