POETAS NA TABERNA

Em Pelotas, na “estética do frio”, rola a poesia entre a cerveja e o uísque. O sul do mundo gagueja perspectivas.

— Um guaraná diet pro poeta, que tem o sangue doce de sua amante diabetina! A Dona veio travestida, como sempre. É uma fada louca, adocicada! Afinal, estão amancebados faz quase dez anos.

Salpicam os amigos:

— Convivem entre o vinho e o salgado, alheios ao russo do inverno lá fora. Bem, já basta a doçura de todos os dias.

— Menos, menos, diz o Álvaro, se não as avaras formigas vão tomar nossas cervejas. E o uísque do Clari se vai num tapa! E aturar formigas bêbedas sobre a mesa será um massacre! Talvez o Oracy Dornelles, o mago de Santiago, queira acrescê-las ao seu famigerado “circo de pulgas”. Formigas e pulgas num trapézio fazendo piruetas, darão alguma audiência a maior ao programa do Jô Soares Onze e Meia, no circo global.

Por um momento teremos o novo, já que em Poesia tá difícil de catar novidades!

E como o nosso escriba cuida do presente e do futuro de Diabetes, a dona, dizem Röhrig C. e Álvaro Barcellos, sob o olhar de aprovação da falante Raphaela e seu encanto pelo poema, pela palavra dita. Palavra que se foi tornando altissonante a cada gole.

Aliás, ela lavra tudo com a sua voz apurada de espanto, crente na esperança de que amanhã o mundo estará a salvo das guerras. Seus vinte e poucos anos autorizam algum expectativa... É forte a ilusão de que o mundo estará doce amanhã.

Por agora, tudo em volta está reciclado, e os catadores de lixo cumprem suas tarefas de fazer o mundo melhor. Se não tanto, um pouco mais limpo.

Ana Mascarenhas, timidamente sugere que não se interrompa a palavra fluente com pedidos de comidas e bebidas. Quem não fala, apenas deve ouvir ou ler. Palavra e Imagem têm altíssima prioridade. Elas são rainhas neste bar de espaçoporto. Afinal, é, também, um cybercafé. E em tudo e por tudo se dá fé.

Na Europa da Idade Média, talvez os Cavaleiros da Távola Redonda conspirassem assim, à socapa do vinho, cerveja, e a costumeira algaravia.

Talvez os mouros e a Cruz do Cristo ficassem lá fora, à soga, junto aos seus ligeiros cavalos. Na taberna, por certo a cruz ficava escondida no peito, junto à espada. Esta sim, sempre ao alcance da mão. Era necessário levar alguém à fogueira. Ou fugir dela.

No bar do século XXI a vida está plena, e se aposta na Paz.

A televisão, tímida num canto, sussurra que Israel lançou centenas de bombas sobre o sul do Líbano. Nos braços do pai transtornado, num pano sujo, um coto de perna sangra e ele corre, atônito, sem destino. Uma criança ferida bota a boca no mundo...

A deusa Themis, aquela da Justiça, estaqueada ali, na frente da Faculdade de Direito da Universidade Federal, observa a tudo, circunstante de soslaio, tirando a venda pra ver melhor.

Catando ervilhas e milhos espalhados ao pé da porta, uma pomba branca alça vôo, após um ronco gutural. Os arrulhos são sempre inentendíveis. Ainda mais o das pombas prenhes de temor.

O olho fixo no delta maçônico simbolizando Deus, reina absoluto no alto do imponente edifício do Direito.

Na taberna rediviva, alguém lembra Ferreira Gullar e o seu Poema Sujo dos tempos da ditadura de 64. Por um momento, num canto surdo, uma atendente cansada de tudo liga o radinho de pilha, e Chico Buarque canta:

— Pai, afasta de mim este cálice!

Parece não haver vida na rua, e o termômetro marca três graus.

Joaquim Moncks

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