RAÇA & COR
             (fevereiro de 2006 – no apê-zinho)

Sei que não devo chamá-lo de preto, pois certamente me acusariam de racismo. Negro seria a palavra – politicamente – correta. Mas seria mesmo?
Afinal, preto é cor e negro é raça. E aquele homem, o que é?
Figura fácil de ser encontrada, ele mora nos arredores. Onde ao certo eu não sei. Mas vejo-o quase sempre na Av. Amazonas em seu primeiro quarteirão. Alterna o lado, par ou ímpar. Talvez goste ou não do sol, ora de um lado ora do outro. Ou por qualquer outra razão que, com certeza, só ele mesmo sabe.
O fato é que ele é preto. É ou está. Se é negro eu não sei, mas se era branco, já não é mais faz tempo! Talvez sua cor atual de pele seja asfalto. Na verdade, todo ele é cor de asfalto. Não de um asfalto qualquer, mas do asfalto metropolitano, daquele que só se encontra num grande centro urbano. Asfalto que não está só nas vias, que se desprende e se eleva aos céus em poeira negra, bem fininha, invadindo os andares mais altos dos edifícios, alcançando tudo e todos.
Poeira é negra ou é preta? Sei lá.
Mas aquele homem... tudo nele tem a mesma cor. Da sola dos pés aos cabelos, a roupa, tudo igual. Ele parece não ter pouso fixo, mas para mim, a cada dia que o vejo, sinto tratar-se de um digno morador da Avenida. Digno sim, por que não? Não posso afirmar há quanto tempo ele está por lá, mas certamente, conhece melhor que ninguém o seu espaço. Sabe de tudo e todos... das bondades e dos males... partilha espaços com gente, lixo e ratos... sabe das sombras, reconhece os sombrios... Com certeza ninguém conhece a Amazonas com tanta intimidade... ninguém sabe de sua cor de ver de bem perto, de seu cheiro sentido diretamente, das ondulações de sua superfície, de suas temperaturas...
O homem gordo estirado nas calçadas sabe. De tudo e de todos. Sabe das nossas vidas, e nós sequer sabemos o seu nome.
Na realidade, nem mesmo sei se ele é negro, preto ou não...

Maria Luiza Falcão

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