CARTA PARA UM CEGO DETERMINADO
Quem sou eu caro poeta, para dizer coisas a um escritor da sua estatura?
Ora, isto não importa! Poetas se compreendem, mesmo anões que tentam dizer coisas a gigantes.
Sua obra é perturbadora e atemporal porque diz do futuro, do passado e do presente, tudo ao mesmo tempo.
Você dá de relho na gente. Bate pela nossa cara, pelos flancos e pelo lombo.
Você bate na minha história, no meu sonho, na minha flor.
Diz que por baixo da minha roupa nova, tem um corpo que é podre, quase podre.
Quase podre é muito pior do que podre. Você incomoda porque diz de si, de mim, de outrem, d'alhures, daqui, dali e talvez até de Dalí. Quem sabe até, sua obra diga de nenhures algures porque merda, escarro, porra e outras coisas mais, serão pó. Dia desses, pó em otimista perspectiva, pois dizem que, daqui a pouco, nem pó vai sobrar neste planeta que violentamos a cada segundo. E o fazemos às gargalhadas, admitamos.
Aporrinhações ecológicas à parte, você atormenta o seu leitor e, caso ele sobreviva aos seus maus tratos, perceberá, quem sabe, a ARTE fabulosa, espantosa literatura que você produz.
Na horrenda cena que fotografa, com a palavra que esfaqueia na linguagem destes malditos poema e poética singulares, você nos comove. Nos arrebata enquanto constrange, em estética de difícil acesso.
Por fim você nos põe de joelhos e confessamos: Glauco me faz chorar, e a seco, com o talento que demonstra em sua obra.
Certa vez ouvi dizer que Vinícius de Morais, na platéia de um teatro, assistia a um espetáculo onde se apresentava Astor Piazzolla e lá pelas tantas o poeta brasileiro não se conteve de tanto gozo, de tanta maravilha que era ouvir aquele bandônion, e (dizem) berrou: “filho da puta!”.
Talvez não me faça clara com o que digo aqui, mas suponhamos que eu tenha sobrevivido ao seu bandônion, Glauco. Sou uma senhora distinta de uma pequenina cidade (dizem), e farei minhas as palavras de Vinícius.
Fátima de Laguna
Maria de Fátima Barreto Michels (*)
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(*) Li há pouco a entrevista em Verbo 21 e descobri a admiração de Leila Miccolis pela obra de Glauco Mattoso, e seu especial carinho por ele. Semana passada li um texto desse escritor e enviei a ele uma mensagem a qual respondeu agradecendo-me e enviando muitos sonetos. Fiquei muito impressionada. Glauco Mattoso transforma em Literatura certas coisas que o mundo gosta de varrer para debaixo do tapete.
Gostei da sua entrevista, Leila! Parabéns ao Sandro Ornellas! Parabéns ao VERBO 21!