MUI AMIGO
Encontro-me com um amigo que não vejo há tanto tempo. Colega de escola, da Campininha. Ele falante, alegre pelo reencontro, vai falando:
— Caramba, quanto tempo! Você não mudou nada, como aquela mesma cara de galã da Metro. Estou sabendo que você é importante pra burro, escritor, jornalista, poeta, gente fina...
— Bondade sua, retruquei, alegre também, pelo reencontro. Afinal, cronometramos juntos momentos felizes do tempo da Campininha. As notícias que me vinham dele é que estava rico, que trabalhava para o Governo Federal, que havia largado a mulher, etc. e tal. O reencontro, agora, era motivo para ser festejado, daí a ênfase de sua fala:
— Me dá o seu endereço. Quero fazer-lhe uma visita. Vou lá hoje à noite, pode? Respondi que sim, e nos despedimos. Ele entrou num carrão vermelho, dizendo que ia visitar uns parentes no bairro de Campinas, e que eu preparasse o uísque, porque à noite, sem falta, ele estaria em minha casa. Corri, passei no supermercado, comprei uns tira-gostos, avisei a mulher, que também ficou alegre, pois ela conhecia o amigo, que compareceu ao nosso casamento, com presente e euforia. Demos uma ajeitada na sala, guarnecemos a geladeira e ficamos à postos, aguaradando a visita do companheiro da Campininha, que vai chegando falante, entrando, assentando, esticando as canelas e pedindo uísque e tira-gosto. Ponho-me a observá-lo, enquanto ele vai contando retalhos de sua vida. É figurão de Brasília. Ttrabalha para o Governo. Está assim com os homens do poder. Viajou muito, até para o exterior. Sua roupa impecável, sapatos de cromo alemão, um relógio que me parece ser de ouro, e uma coleira, ou melhor, uma correntinha (de ouro, é claro), de três voltas agarradas ao pescoço. O homem enricou mesmo, fico a pensar, enquanto ele continua contando as suas proezas, para dizer, finalmente, que veio a Hoiânia somente para falar comigo, pois ficou sabendo que sou muito importante. Eu preciso, diz-me ele, de uma pessoa importante, influente, respeitada, que tenha nome, e conclui, na maior caradepau: você tem todos esses predicados. E o negócio é o seguinte, amigão: descobri uma jazida de cobre na Amazônia, e você sabe, o Brasil importa cobre. Pois bem, estou com o mapa da mina, em segredo, e preciso de alguém que requeira o direito no Ministério. E esse alguém tem que ser uma pessoa respeitada, que tenha nome. Você é o meu escolhido. Vai ser meu sócio. Vou lhe dar todos os pormenores, você vai requerer, vou acompanhar o processo no Ministério, tudo em segredo, e a jazida vai sair em seu nome, dentro de poucos meses. Aí, vem o que é fundamental. Já tenho um comprador, que é um grupo japonês, que vai pagar 500 mil dólares pelo direito da minha. Cinqüenta por cento para você, cinqüenta por cento para mim. Tudo com documento passado entre nós. Topa?
— Olhei bem para a cara do filho-da-mãe, funcionário corrupto dessa República espoliada e respondi:
— Eu toparia, se não tivesse nome!
Ele olhou para mim. Eu olhei para ele. Houve um silêncio constrangedor no ar, o bastante para que ele retirasse suas patas de minha casa e desaparecesse nos quintos dos infernos.
José Mendonça Teles
Do livro: Crônicas da Campininha, Editora Kelps, 1996, GO
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