DIREITO
Tantos são os homens ilustres e iluminados que surgiram pelo mundo afora, que ao sentar para escrever uma crônica como essa e quando levanto a cabeça e deparo-me com esses distintos insignes ali formando um ângulo de quarenta e cinco graus, mais ou menos, da minha visão itinerante, sinto-me imbuído de uma responsabilidade gigantesca. Não é um fardo pesado, fastidioso e maçante perante a Língua e seus atalhos, exceções e regras. È muito mais do que isso e contrária à suposta abominação que eu mesmo levantei palavras atrás.
Uma exaltação à Língua em toda a sua majestade é sem dúvida prova de amor cabal aos seus falantes. Exaltar e exortar nos seus sentidos mais latínicos que a própria semântica poderá desconhecer. Ora, ora, se temos em nossa magnitude excelentes falantes do Português. Escribas da mais alta originalidade e decência intelectual. Conhecedores da lei em toda a sua pureza e ética. Franco e lhano. Eis aí que por (quase) nulidade de caráter, por um fio tênue que separa a ciência alheia das idéias próprias, surge o advogado do diabo. O advogado dos poderosos. Aquele que enfia o pé na lama por um punhado de real. E então, como dissera lá em cima, o advogado do diabo na conveniência que a generosidade lingüística oferece. Deflora, violenta e abusa dos atalhos, das exceções e das regras. Destroça as bases lexicais e semânticas para torturar os pensamentos e ocultar a verdade. Vide nas CPiS do congresso nacional, a difusão vulgar de um contra o outro e o outro contra o país inteiro. O advogado presidente de um partido, tradicional, por sinal, aparece acusado de envolvimento em mensalões. Dessa forma então, cênica e cínica, numa alusão pífia ao teatro do absurdo, com o olho roxo e tudo mais, discursa como o rei Cláudio da Dinamarca. Senti falta de Hamlet.
A cabeça de Rui Barbosa, grande por ser ele excelência e gênio, um dia mandou-lhe esse pensamento “O saber de aparência crê e ostenta saber tudo. O saber de realidade, quanto mais real, mais desconfia, assim do que vai apreendendo, como do que elabora”. Provavelmente Rui não contava com a modernidade do século XXI, onde tudo é passível de concordância e não há alma nas pessoas. Um erro menor se paga com violência, cárcere privado, espancamento. Um erro do tamanho de uma nação é julgado e punido com uma simples renúncia de cargo. Não cabem gracejos lingüísticos no erro menor. Digam-se gracejos, o uso inteligente da Língua. No erro em que o país está envolvido, a fôrma já está pronta dentro do cidadão sem que ele saiba. As palavras acomodam-se numa mansidão serena e estável. E das duas, uma. Ou ele aceita o discurso doutrinador do réu, nas primeiras horas e sempre, inofensivo, ou rebela-se, mas dentro de alguns dias tudo é esquecido, deletado. Como Aldous Huxley em Admirável Mundo Novo.
Poucos são os homens ilustres e iluminados que não fizeram questão de ficar por aqui muito tempo. Castro Alves, Fernando Pessoa, Raul Seixas, Cazuza, Sócrates, Lima Barreto... Outros, tão geniais quanto esses, ficaram mais tempo, talvez por exigência divina, ou por serem guerreiros, soldados das palavras. Atiravam, e ainda há quem atire, letras contra os inimigos, tiranos do povo. Constrangendo-os de forma inteligente e filosófica. Mas nossa gente infelizmente não destrói a fôrma e continuam mansos, serenos, adormecidos, violentos entre eles mesmos e insipientes...
Carlos Vilarinho