ACHADOS DE UM MENINO PERDIDO

          De certa forma, fui discípulo de Ailton. Adolescentes ainda, fazíamos versos, de preferência sonetos. Os meus não valiam nada, e pouco depois mandei toda a papelada ao lixo. Os dele são alguns destes agora reunidos em livro, pela primeira vez, passados tantos anos de sua morte. O que restou de tudo o que escreveu, apenas 30 poemas, alguns contos e fragmentos diversos. Há um poema datado de 1957, quando chegava aos l5 anos de idade. É verdade que são inúmeros os casos de escritores que escreveram obras-primas quando bem jovens. Porém a maioria dos adolescentes deixa de lado as veleidades literárias também muito cedo. Não foi o caso de Ailton, logicamente. Porque tinha talento. Sua poesia é de bom nível. Não por saber metrificar e rimar, como todo bom poeta o sabe. Ailton sabia métrica e ri-ma porque lia e estudava. Lia os bons poetas, como Castro Alves, um de seus ídolos. Sabia de cor páginas inteiras do poeta baiano.
          Escreveu poemas de excelente extração, a lembrar os românticos. Aliás, o vocabulário de Ailton é quase sempre romântico. E rico. E os versos românticos são o melhor dele. Quando pretende fazer poesia político-social, como em "Desperta, Brasil", só nos resta lamentar.
          Como dizia, há muito mais riqueza nos versos de Ailton que apenas rima e métrica. E houve um tempo em que abandonou uma e outra, quando leu os modernistas. Nada dessa poesia sobreviveu às intempéries de sua atribulada vida. Não foram centenas ou milhares de poemas, pois cedo largou a pena. Talvez por volta de 1968, quando mais se aventurou pelo penoso caminho do alcoolismo.
           Versos de Castro Alves, Maurice Rostand e Júlio Maciel aparecem em epígrafes a poemas de Ailton. E isto demonstra a variedade de suas leituras. Do primeiro já falei. O segundo deve ter sido encontrado em alguma antologia da poesia francesa. O terceiro é tido como um dos bons parnasianos cearenses.
           A produção poética de Ailton daria um grosso volume. Restou, porém, pequena parte. Com certeza, seus primeiros versos. Há um soneto de 64 e três de 65. Os demais são de datas anteriores, ou não estão datados. Ou seja, a maioria de seus poemas foi escrita entre os 15 e os 18 anos de sua vida.
          Repito: o que sobrou é apenas uma amostra do que escreveu Ailton. Sua obra mais importante desapareceu. Talvez no incêndio doméstico que quase o matou, em Brasília, onde foi viver (e morrer) no início dos anos 1970. Sua morte clínica se deu no dia 22 de outubro de 1974.
          Dois anos mais velho que eu, Ailton Alves Maciel nas-ceu em Baturité a 7 de março de 1943. Desde cedo mostrou-se arredio à rua, às brincadeiras com outros meninos, ensimesmado. Cursou o ginásio com os padres sale-sianos. Então estudava-se quase tudo, inclusi-ve latim. E também francês e inglês. Além do mais, em casa havia alguns livros de boa literatura. Em 1957 completou o curso e viajou a Belém do Pará, onde os novos ginasianos comemoraram o grande feito de suas vidas. Ao regressar, escreveu o relato da viagem. Em seguida matriculou-se na Fênix Caixeral, tradicional colégio de Fortaleza, onde cursou o clássico. Eram anos difíceis para nossa família. Precisava trabalhar e deixar de estudar. A Universida-de ficava para depois. Ou para nunca. Em 1964 trabalhava num restaurante italiano e se dizia nacionalista. Com o golpe, veio mais uma decepção. É desse período o início de seu namoro com a bebida, que nunca mais largaria. Porém ainda teve um momento de soerguimento: em 1970 ingressou na Uni-versidade. Porém não chegou a concluir o Curso de História, na Faculdade de Filosofia do Ceará. Talvez já fosse tarde demais. Pois logo resolveu abandoná-la. Até porque já sabia quase tudo o que os livros da escola continham: antropologia, história, psicologia, etnologia, filosofia, português etc. Sabia até matemática, que lecionava a meninos e rapazes do bairro. Chegou a manter pequena escola para estudantes em dificuldades.
          Em dois textos em prosa, Ailton fala da grande vontade de ver seus versos publicados em livro. E também do desejo de vê-1os em lugar seguro, eles que sempre andaram "perdidos por aí", como ele próprio - menino perdido no turbilhão da vida.

Nilto Maciel

Do livro: Cronistas de Brasília, org. Aglaia Souza, André Quicé Editor, 1995, DF
Enviado por Goiano Braga Horta

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