DOIS CAUSOS

Novidades da Cidade Grande

João Geada. Velhinho roceiro. Morava no Pindura Saia, a umas três léguas de Santa Maria do Tabuí. Branquicento. Sistemático. Caladinho e trabalhador. E tinha que trabalhar muito, pois, na base do silêncio, conseguiu, com a sua Jandira, fazer quase uma dúzia de barrigudinhos. Tratar de toda aquela cambada não era fácil.

Certo dia velho Geada inventou de ir à capital. Visitar Bel'zonte vez primeira. Fazer umas comprinhas. Isso vinte ou trinta anos atrás. De trem de ferro. Achou tudo muito bom, muito importante, muito bonito. Cada predião danado. Povão medonho na rua. Uma carraiada de dar gosto. Tanto movimento que o velho Geada tava até ficando agoniado. Mas uma coisa deixou o nosso amigo muitíssimo impressionado: o picolé. Gostou exageradamente daquela pedrinha fria que derretia e que tinha um pauzinho enfiado no trazeiro. Chupou um, dois, uma dúzia. De gostos e cores variadas.

— Ô trem bão, sô! Tem base não! Vô até levá uns pra Jandira e pros minino, uai! Imbruia uns vinte aí, ô moço!...

Saiu satisfeito com o pacote de picolés dentro de um saco, junto com uns troços que tinha comprado - açúcar, farinha de trigo e de mandioca, fubá e polvilho azedo - e foi pra estação pegar o trem. Viagem de mais de cem quilômetros. Deixou o saco perto da porta do carro de passageiros e procurou um cantinho pra se sentar. Queimou um pitinho, deu umas proseadas com uma velha gorda que o espremia no canto do banco e um coque na cabeça dum neguinho que pisou no calo do seu mindinho do pé.

Numa certa hora, João Geada resolveu dar uma esticada nas pernas e foi ver se estava tudo em ordem com o seu saco de bugigangas. É claro que os picolés tinham virado água, molhando tudo que tava no saco, derretendo até o quilinho de açúcar que viajava junto. Tudo melecado e a água melada escorrendo. Velho Geada entendeu nada. Ficou foi brabo. E mesmo sendo um homem caladinho e tímido, não levava desaforo para casa. Foi por isso que, fulo da vida, gritou pra todo mundo ouvir:

— Cambada de viado fedaputa ! Além de chupá meus picolé, inda mijaro no meu saco!...


Esmeraldo em estado interessante

Esmeraldo vivia à cata de emprego. Situação braba. Filhos passando fome, comendo do pão que o diabo amassou. Mas não desistia. Entre uma canjebrina e outra, recebia uma negativa de trabalho e ia em frente.

Até que um dia Esmeraldo faz concurso para merendeira na escola do Estado e é aprovado. Mesmo com os poucos conhecimentos que tinha. Só faltavam os exames médicos. Embora um pouco avariado, mal das pernas e meio perrengue, achava que conseguiria enganar o médico. Mas e os exames de laboratório? No Laboratório Cademicróbio deram-lhe uns vidrinhos para colocar as necessidades durante três dias seguidos.

Esmeraldo pensou... pensou... chamou a mulher:

— Ô muié, manda a Ritinha fazê as necessidade dela nos vidrinho! Ela tá fortona, já é grandona e sem doença... Aí eu passo nos exame, né?

Assim falou, assim foi feito. Urina e fezes da Ritinha foram levadas para exames de laboratório como se fossem do Esmeraldo.

No dia da entrega dos resultados, todos os que tinham passado nos exames estavam lá. Satisfeitos. Cada um rindo mais arreganhado do que o outro. Esmeraldo também foi. Agoniado, estranhando porque não chamavam logo seu nome. Foi aí que apareceu a enfermeira.

— Sô Esmeraldo, o dotô tá lhe chamano!

— Ahn?!... Ieu?... É pra já, dona moça!

Esmeraldo, cismado, carente, suando frio, fedendo bafo e com sovaqueira, entra na salinha do médico. Preocupação qui só. Olha cabreiro e perguntativo pro médico, doido pra saber o motivo de ter sido o único honrado com o chamamento doutoral.

— Estou espantado, seu Esmeraldo! Muito espantado! Já fiz e refiz seus exames, com vários testes, e dá sempre a mesma coisa!...

— Já sei, sô dotô! Carece cerimonha não! Levei pau, né?

— Acho que sim, meu amigo. Pelo menos o senhor está grávido!

Esmeraldo só teve tempo de levar as mãos à cabeça e exclamar antes do desmaio:

— Ai, meu Deus do céu!... Minha Ritinha!...

Eurico de Andrade

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