Música no Paço
Em crônica recente, escrevi que Cataguases era a cidade dos escritores e Juiz de Fora a cidade dos músicos. Semana passada ao assistir no Paço Municipal à apresentação da Orquestra Experimental, regida pela maestrina Maria Aída, comecei a reavaliar meus conceitos.
O Salão Nobre da Prefeitura estava lotado e, noite acalorada, sentei-me bem próxima a um dos janelões semi-abertos, onde podia ouvir as canções sentindo o vento vindo da Praça Santa Rita, que batia de leve em meu rosto e cabelos. Eu já havia entrado neste Salão uma vez, mas com a apresentação da Orquestra ele adquiriu uma aura diferente. Primeiro, porque eu e Ronaldo chegamos uns vinte minutos mais cedo; e, em segundo lugar, porque com ele pode-se viver a história do passado de Cataguases no presente. Calma leitores, bem sei que ele ainda está jovem, mas seu amor pela cidade é tamanho que seus olhos brilham quando, curiosa, faço alguma pergunta sobre Cataguases. Passamos os olhos pelas fotos dos prefeitos, uma por uma, e o poeta me narrou mais uma história que merece ser incluída num futuro livro sobre a “Paris da Zona da Mata”.
Quando a orquestra abriu a noite com “Na cadência do samba”, de Ataulfo Alves, a platéia imediatamente silenciou e pregou olhos e ouvidos no som puro e vibrante dos rapazes, em sua grande maioria muito jovens. Orquestras sempre foram as melhores escolas, nelas se aprende muito bem noções de harmonia, tempo e principalmente conjunto.
Passei dois anos cantando na Orquestra de Jazz da Pró Música, em Juiz de Fora, sob a regência do maestro Silvio Gomes. Esse período foi a minha verdadeira escola, em que o convívio com a singularidade de cada instrumento contribuiu para que eu entendesse e pudesse explorar mais meus recursos vocais.
A Orquestra Experimental interpreta grandes compositores brasileiros como Tom Jobim, Ary Barroso e Hermeto Paschoal. Emocionei-me ao ouvir o arranjo de Maria Aída para “Bebê”, uma das mais belas e conhecidas composições de Hermeto. Ouvido absoluto, ele é consagrado no cenário da música instrumental brasileira. Compositor, arranjador e instrumentista, o músico alagoano é uma bíblia musical.
Em “Bebê” destacam-se os solos da clarineta de Eli Martins, que vão pontuando maravilhosamente a canção. Acredito que “Bebê” é um baião que todo o instrumentista brasileiro gostaria de tocar, por seu rico desenho harmônico.
Outros momentos foram tocantes, como a entrada do quarteto formado pelas jovens cantoras Alice Werneck, Cecília Valverde, Inara Rocha e Lorena Teixeira. Afinadíssimas, as moças deram um colorido a mais na apresentação. Nota-se a competência do trabalho desenvolvido por Maria Aída, as vozes bem moduladas fazem a belíssima melodia em uníssono de “Das Rosas”, de Dorival Caymmi: Rosas/ Rosas/Rosas/ Rosas formosas são rosas de mim/ Rosas a me confundir/ Rosas a te confundir/ Com as rosas, as rosas, as rosas, de Abril/ Rosas/ Rosas/ Rosas/ Rosas mimosas são rosas de ti/ Rosas a te confundir...”
Vendo e ouvindo as garotas, foi inevitável a comparação com a Banda Nova criada por Tom Jobim. O maestro soberano adorava vozes femininas e colocou a “mulherada” da família para cantar. Alice, Cecília, Inara e Lorena me lembravam Ana Lontra, Elizabeth Jobim, Maucha Adnet, Paula Morelenbaum e Simone Caymmi. Não me levem a mal, mas músicos e escritores têm mania de ficar provocando “dialogismos” e “intertextos”.
O som pulsante da orquestra comandada por Maria Aída contagiou toda a platéia, pedidos de bis não faltaram. Via-se que no final algumas pessoas já até ensaiavam alguns passos de dança. Acho que se tivesse mais um microfone eu mesma iria me integrar ao grupo.
Daniela Aragão