MARQUISES E SACADAS

De tempos em tempos, acidentes estruturais com sacadas e, principalmente, marquises de edificações ocupam, com destaque, as manchetes de jornais. Eles são raros, mas, sempre, dramáticos, pelas características dessas estruturas?

Uma marquise de concreto armado, por exemplo, representa um peso de 25 KN/m 3 (ou 2,5 tf/m 3 ); assim, uma laje com 10 cm de espessura pesa 250 Kgf/m 2 ! A queda de uma marquise, portanto, pode gerar, além de danos materiais, e custos de reconstrução, acidentes fatais ou seqüelas graves.

As marquises e sacadas são apêndices da construção. As marquises, especificamente, servem para proteção contra as intempéries de veículos e pedestres. Ambas são estruturalmente definidas como estruturas “em balanço”. Isso quer dizer que elas são apoiadas apenas em uma das extremidades. Essa configuração estrutural faz com que a parte mais solicitada dessas estruturas seja a superior, sujeita a esforços de tração, que provocam alongamento. Para quem não sabe, o concreto é um material frágil, ou seja: deforma pouco antes de romper. Além disso, ele apresenta comportamento diverso à tração e à compressão. Concretos convencionais resistem bem menos à tração que à compressão (aproximadamente: 10%). Para compensar essa deficiência de resistência são utilizadas armaduras de aço nas regiões tracionadas. Nas estruturas em balanço a região com armadura principal é, obviamente, a superior.

Eu costumo dizer aos meus alunos de Arquitetura que a profissão de engenheiro é uma das mais ingratas que existe, pois, ao contemplar uma obra imponente, os leigos perguntam: “Quem foi o arquiteto?”; mas, quando ocorre um acidente estrutural, a pergunta é, a priori, sempre outra: “Quem foi o engenheiro?”... Para os alunos engenheiros a analogia é com os médicos, pois, se um erro médico pode ser escondido “sete palmos” abaixo da superfície, um erro de engenharia fica acumulado alguns metros acima dela... Um erro médico, normalmente, gera uma vítima direta; já um erro de engenharia pode vitimar várias pessoas, destruir patrimônios, convulsionar cidades! E qual é o valor que a sociedade dá aos engenheiros?

O fato é que, quando um engenheiro tem condições adequadas para desenvolver seu trabalho, tudo funciona bem... E ninguém nota!

Mas, as causas de um acidente estrutural não estão restritas, como a maioria atribui, à atuação do engenheiro, em suas múltiplas funções. Um sinistro desse tipo pode ocorrer por vários motivos: erro de projeto, erro de construção, materiais inadequados, uso incompatível ou falta de manutenção, para citar os principais. Os três primeiros têm a ver, diretamente, com a engenharia: o dimensionamento da estrutura pressupõe as cargas para a utilização prevista para o usuário final (uma unidade habitacional é bem diferente de um armazém de materiais de construção!); o uso de concreto de resistência inferior à estipulada no projeto, ou além do prazo limite de aplicação pode ter conseqüências trágicas, e caracteriza, no mínimo, má-fé. Mas, um dos problemas mais freqüentes, é no âmbito da execução: Como foi dito, anteriormente, no caso de marquises as armaduras principais de aço são posicionados na parte superior dessas estruturas. Só que, durante o processo de concretagem elas podem sair dessa posição, devido ao tráfego dos operários e equipamentos, por exemplo. À fiscalização da obra cuidar para que elas sejam recolocadas adequadamente. Quando isso não ocorre os esforços de tração, em vez de serem absorvidos pelas barras de aço, afetam, exclusivamente, o concreto. Como ele apresenta baixa resistência a esse tipo de solicitação ele apresenta elevada fissuração que, pode evoluir até trincas e, no limite à ruptura. Mas mesmo que a armadura esteja bem posicionada, ainda assim o concreto apresentará microfissuras. Dependendo da agressividade do meio-ambiente elas não representarão risco; mas, no caso de marquises, que estão, normalmente, expostas às intempéries, as conseqüências podem ser dramáticas! Por quê? Porque o ar e a umidade, contaminados com matéria orgânica (fezes e urina de animais), produtos químicos (poluição ambiental), salinidade (sobretudo em áreas litorâneas) etc, penetram nas fissuras e provocam a corrosão das armaduras. É por isso que as áreas expostas às intempéries necessitam de proteção, que é feita mediante impermeabilização das superfícies. Só que existem vários tipos de impermeabilizações, com os mais variados materiais e técnicas de aplicação, com vidas-úteis diferenciadas, que prevêem proteção superficial, ou não, e cuja especificação depende de uma série de fatores. Infelizmente, a maioria dos condôminos é leiga, e prefere optar pelo sistema mais barato (pintura de base asfáltica, sem proteção superficial), aplicado por pessoal não especializado, sem garantia e sem responsável técnico. Bem, estamos falando de pessoas que ainda têm o mérito de preocupar-se com o problema! Infelizmente, a maioria só pensa na impermeabilização quando surgem manchas de umidade na face inferior das lajes, as armaduras corroídas aparecem, ameaçadoras, ou a vegetação transforma as marquises em jardins suspensos... Isso ocorre porque, via de regra, os condomínios, residenciais ou comerciais, e, até, os edifícios públicos não dispõem de rotinas para inspeção e manutenção preventiva das edificações! Dessa forma, as intervenções são paliativas (escondem o problema), ou, majoritariamente, corretivas (quando ainda há tempo para fazê-las) e, por isso mesmo, muito mais caras. Numa nova analogia com a Medicina, o usuário só dá importância para o problema quando ele vira crônico, grave ou incurável!

A drenagem adequada e permanentemente funcional também é fundamental para assegurar a integridade e durabilidade dessas estruturas. O entupimento de um ralo ou afim pode gerar acúmulo de água em volumes superiores ao das sobrecargas previstas para esse tipo de estrutura. Portanto, os ralos devem ser limpos regularmente, para evitar o acúmulo de folhas de árvores, animais mortos e sujeira de condôminos porcalhões. Atenção! Isso é manutenção, e cabe ao usuário providenciá-la!

O mau-uso também é um problema gravíssimo! Uma marquise é, normalmente, dimensionada para suportar, além de seu próprio peso e do sistema de impermeabilização, e sobrecargas leves, decorrentes de serviços de manutenção de sua superfície. Não podem, em absoluto, servir como área de estocagem do entulho de demolição de fachadas, a menos que esteja adequadamente escorada.

Em suma, problemas decorrentes de projeto e execução, são detectáveis durante o processo de construção, e seus responsáveis perfeitamente identificáveis. Já os resultantes de má-conservação e uso inadequado têm a ver com o usuário.

A legislação vigente prevê prazos de responsabilidade de projeto e construção, inclusive quanto aos vícios aparentes e ocultos. Se o proprietário é leigo, recomenda-se que contrate um profissional habilitado para efetuar vistorias periódicas; algo como um engenheiro ou arquiteto “de família”, que orientará sobre as medidas preventivas ou corretivas que forem necessárias. O custo será, com certeza, bem inferior ao das despesas médicas, custas judiciais e indenizações, decorrentes de acidentes estruturais.

Algumas prefeituras já dispõem de instrumentos legais que obrigam aos proprietários de edificações apresentarem laudos técnicos, periódicos, sobre elas. Isso é justificado, mas, não necessariamente, efetivo. A mitigação dos riscos de acidentes estruturais passa, indissociavelmente, pela conscientização do usuário de que a segurança, a funcionalidade e a durabilidade de seu patrimônio dependem de procedimentos tão simples, como imprescindíveis, mas que demandam a atuação de profissionais legalmente habilitados no CREA! Isso vale para todos os elementos construtivos, mas, os usuários tendem a concentrar suas preocupações preventivas exclusivamente em itens como: instalações elétricas e elevadores. Só que infiltrações, armaduras expostas e deformações excessivas são sintomas igualmente importantes! No caso de marquises e sacadas os riscos são ainda maiores, sobretudo quando a impermeabilização é negligenciada.

É fato que existem outros materiais, mais leves, que podem ser utilizadas em substituição ao concreto armado na confecção de marquises; mas, nenhum deles, por mais resistente e durável que seja, dispensa manutenções periódicas.

“Empurrar com a barriga”, praticar “automedicação” ou apelar para o curandeirismo de “profissionais experientes” em “garibadas” e “tapas” na área de construção (que aplicam a única solução que aprenderam para todos os problemas), é como tratar um câncer com analgésicos, e deixar que ele vire metástase! É responsabilidade direta e intransferível! Aliás, quem fica doente, por negligenciar sua saúde, pode culpar o médico? Quem sofre as conseqüências jurídicas de seus atos e omissões, pode culpar o advogado? Pois é... Da mesma forma, erros de projeto e construção são de responsabilidade de seus autores dentro dos prazos legais; mas, a falta de manutenção (ou manutenção inadequada) e mau uso são de responsabilidade exclusiva do proprietário!

Então, é preciso cuidar do patrimônio com a assessoria de um engenheiro ou arquiteto! Isso dá garantias técnicas e jurídicas!

No caso específico de marquises e sacadas - as estruturas “em balanço”, mencionadas no início do texto – também assegura que elas nem balancem, nem caiam...

Adilson Luiz Gonçalves

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